Artigos – Ano: 2014 – Sucena Shkrada Resk – Blog Cidadãos do Mundo

Decisões geopolíticas definem o caminho das mudanças climáticas

04/11/2014 15:13

Caso continue o desenvolvimento pautado pelos combustíveis fósseis e pelo desmatamento, se desenha o pior cenário até o fim do século; posição brasileira é estratégica neste desafio

Por Sucena Shkrada Resk

Tudo junto, tudo misturado. Até onde vai a extensão da postura geopolítica mundial e sua contribuição para os quadros da mudança climática? Cresce cada vez mais uma linha tênue, que determina o processo acelerado dos eventos extremos no planeta. Para alguns pode parecer redundante, mas é preciso repetir: o problema está calcado na opção prevalente por matrizes energéticas com combustíveis fósseis, monoculturas e pastagens extensivas, uso de agrotóxicos, desmatamentos para todos os fins, manutenção de lixões a céu aberto etc. Uma coisa tem a ver com a outra, e muito, por sinal. E o detalhe que faz toda a diferença, nesta história: as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) decorrentes destas atividades não têm fronteiras e, ao mesmo tempo, apresentam efeito acumulativo. Então, mitigação (redução de danos) e adaptação são decisões políticas. Não há como negar.

O que acontece na Amazônia afeta a região Sudeste brasileira, a África Subsaariana e vice-versa. O degelo no Ártico tem a ver com a desertificação na Caatinga, com o provável desaparecimento de países insulares. Parece sem nexo? Então, se surpreenda. As relações de causa e efeito são reais. A casa é uma só: o planeta Terra. O 5º Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) aponta no cenário mais drástico, seguindo o atual modelo de desenvolvimento, a elevação da temperatura média da Terra, em 5 graus centígrados, até 2100. Diante desta projeção, a única alternativa é zerar a produção de carbono para conseguir chegar nos 2 graus, o que se tornou um limite aceitável, de acordo com os cientistas. É algo factível?

O período de 1983 a 2012 foi provavelmente o mais quente nos últimos 1400 anos, no Hemisfério Norte (onde os cientistas creditam que os dados são mais confiáveis), mas as projeções se estendem ao Sul. Isso quer dizer, em miúdos, que a situação está cada vez mais complicada, por causa da ação antropogênica. Computando o período da Revolução Industrial até 2012, o aquecimento chegou na casa de 0,85 graus centígrados.  Os oceanos, por sua vez, aumentaram em 26% sua acidez.  Para completar esse quadro, os cientistas afirmam que as concentrações de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso são as maiores até hoje, sem precedentes em, pelo menos, 800 mil anos.

Deslocados e refugiados climáticos

A aceleração da carbonização está criando uma categoria chamada informalmente de deslocados (internamente) e de refugiados (externamente) climáticos e ambientais. As leis e tratados internacionais ainda não oficializaram essa situação, que já existe, e ao mesmo tempo é reconhecida em estudos do Direito Internacional.  Entre essas pessoas se encontram populações afetadas por empreendimentos hidrelétricos e pelos extremos climáticos, entre outras situações. Mais que vítimas de ‘desastres naturais’, são vítimas do desenvolvimento predatório atrelado aos mesmos, que faz com que o que demoraria séculos, se intensifique em anos. 

“Infelizmente o avanço para o reconhecimento dessa situação não tem sido como gostaríamos. Há um vazio jurídico. O que se vê atualmente são iniciativas pontuais, como na Costa Rica e e na Alemanha, para que possam ser estabelecidas formas políticas para mediar este tema em um futuro próximo”, disse Andrez Ramirez, representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), no Brasil, ao Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk. Ele foi um dos palestrantes do III Congresso Internacional de Direito Ambiental Internacional – Unisantos, realizado em São Paulo, no último dia 31 de outubro.

O Protocolo Mundial de Cartagena sobre Refugiados esta completando 30 anos, e o desafio é que atualize a cobertura específica a essas condições provenientes dos desastres naturais. A discussão, entretanto, tem sido feita dentro do ACNUR, desde 2009,  quando foi lançado o documento Mudanças Climáticas, Desastres Naturais e Deslocamento Humano.

Segundo o IPCC, os riscos amplificados daqui por diante são de estresse por calor, tempestades, inundações costeiras, deslizamentos de terra, poluição atmosférica, escassez de água e aumento do nível do mar, entre outras ocorrências.

“…É preciso estudar a vulnerabilidade dos diferentes setores diante desse aumento das mudanças climáticas. A temperatura do mar está aumentando e isso me preocupa muito. Estão se movendo gigantes e frear isso é muito difícil. Pode levar séculos”, disse  o Mestre em Meteorologia Gilvan Sampaio, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), durante o 3º Seminário sobre Mudanças Climáticas, realizado pelo Planeta Sustentável e o Fórum Clima, no final do mês passado.

Documentário retrata lugares já ameaçados

Não é preciso sugestionar o que pode acontecer no futuro, tendo em vista, que o  hoje já reflete o processo. O documentário recém-lançado “Caminhando Sobre a Terra – Uma viagem a 10 lugares ameaçados no Planeta”, com direção de Thiago Cóstackz, ilustra como as ações antrópicas desenham um planeta que dificulta gradativamente a existência de diferentes tipos de vida. Na Groenlândia, a segunda maior capa de gelo do planeta, atrás da Antártica, terra onde vivem os Inuítes, é um exemplo clássico. Depois de explorações de toda ordem, nos últimos 100 anos, no Ártico,. O que se vê é um degelo rápido. O comprometimento não pára por aí. Resíduos químicos estão sendo encontrados por lá, como mercúrio, chumbo, DDT, que entram na cadeia alimentar e já foram detectados até no leite materno das mulheres da comunidade.

A Rússia, que tem 63% de seu território composto por permafrost (solo permanentemente congelado a séculos), na Sibéria, também está derretendo e emitindo metano, com poder devastador mais de 20 vezes superior ao carbono.

No Atlântico Sul, na Barreira dos Corais, encontrados entre o Maranhão e sul baiano, a poluição doméstica proveniente das cidades, está destruindo esse patrimônio natural. O efeito destruidor afeta os demais corais no mundo.

Talvez a prova mais visível a olho nu, a nós brasileiros, sejam os efeitos nos biomas nacionais, da Caatinga à Mata Atlântica. Esses cenários são mostrados no filme, de cerca de 1h20, que promove uma reflexão sobre a inação humana diante do que já é tão evidente, que recobra um alerta contínuo também sobre a conservação da Amazônia, onde é desmatado o equivalente ao Estado de Sergipe anualmente.

O Brasil e o papel da Amazônia 

Mais um trabalho que traz uma discussão importante sobre a rede de relações das mudanças climáticas e a importância da conservação ambiental do bioma, é o  relatório científico “O Futuro Climático da Amazônia”, produzido pelo pesquisador Antonio Nobre, para a Articulação Regional Amazônica. O autor reforça a posição estratégica da região com os chamados “rios voadores’, que irrigam regiões distantes no verão hemisférico e que possuem uma ‘bomba biótica’ (que mantêm as chuvas em qualquer circunstância), que impedem que haja furacões e similares.

O pesquisador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do INPE e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) é contundente. É preciso zerar o desmatamento por lá e restaurar a floresta destruída, para que haja a regeneração. Segundo ele, hoje o desmatamento por corte raso já atingiu 20% da Amazônia brasileira e mais 20% da floresta também já foi comprometida em sua cobertura original. De acordo com o cientista, essa situação está associada a situações de seca em outras regiões, como o Sudeste.

Então, fica mais fácil compreender que o grau de conservação da Amazônia, da Mata Atlântica, da Caatinga, do Cerrado, do Pantanal, do Ártico, da Antártica, da África Subsaariana e dos países insulares fazem parte de uma rede interligada. Tudo junto, tudo misturado. Quando observamos as decisões governamentais brasileiras, como a opção pela extração do Pré-Sal, no Brasil, com investimentos significativamente maiores (bilionários) com relação a energias limpas e renováveis, há um peso a considerar nesta matemática mundial.

Esse novo cenário de emissões deverá ser quantificado nos novos relatórios de emissões nacionais, que até então, só computavam o desmatamento na Amazônia e que gradativamente está computando outros biomas. Entretanto, saber exatamente a conta será mais difícil, porque no documento não se observa o recorte das exportações. A explicação é do consultor ambiental Tasso Azevedo, ao Blog Cidadãos do Mundo, durante o 3º Seminário sobre Mudanças Climáticas, promovido pelo Planeta Sustentável e pelo Fórum Clima, no final de outubro.

Segundo estudos do Greenpeace, com projeção até 2020, a expectativa é que se tripliquem as emissões, colocando o Brasil na terceira posição entre os maiores emissores de GEEs, atrás de China e dos EUA. Hoje figura na sexta colocação.

Na matriz energética nacional, apesar da participação de renováveis ainda ser significativa, 42,4%, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia (MME), informou no Balanço Energético Nacional 2013, que houve um pequeno decréscimo de 2011 a 2012, por causa da menor oferta de energia hidráulica e de etanol. Em contrapartida, a oferta maior de energia é fóssil: petróleo e derivados (39,2%), gás natural (11,5%), carvão mineral (5,4%) e urânio (1,5%).

Ainda há pesos tímidos para fontes eólicas e solares, por exemplo. Segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica, a energia eólica deverá passar a 11% do total de fontes nacionais em uma década. Hoje representa 4,1% entre as renováveis. No caso da solar, que nem configura em percentuais nos relatórios, após tentativas anteriores frustradas, um leilão público conseguiu contratar 1.048 W de capacidade. Já é uma luz no fim do túnel.

Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP20), em Lima, no Peru, está chegando. Dezembro está aí. Mas com a velocidade lenta de alterações da maior parte das nações, incluindo o Brasil, para uma sociedade de baixo carbono, o que não se sabe é até quando o país vai conseguir se manter com níveis de emissões abaixo de 1990 (segundo relatórios atuais, com relação ao desmatamento, sem contar com o cenário de 2014). Trata-se de seguir outros caminhos de modelo de desenvolvimento. Isso dependerá essencialmente de esforço técnico e político. Entretanto, já contabilizamos um déficit de tempo considerável para que haja implementações.

Veja também alguns dos artigos que escrevi sobre estes temas, no Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk:

29/10/2014 – Especial Biodiversidade Parte 2: declínio de espécies ecoa alerta
16/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 3): de olho na justiça climática
12/09/2014 – Especial – Desenvolvimento Sustentável: como sair do círculo dos gabinetes?
29/08/2014 – Alerta vermelho ao estado de conservação da biodiversidade costeira e marinha brasileira
07/08/12 – Políticas fragmentadas e mudanças climáticas intensificam crise na África
14/10/2013 – Água: um bem depreciado na sociedade do desperdício

14/01/2013 – Reflexão: a desertificação e o consumo inconsciente
27/08/2012 -No contexto das nove fronteiras
20/08/2012 – Eventos naturais extremos: prevenção no centro da pauta
07/08/2012 – Políticas fragmentadas e mudanças climáticas intensificam crise na África
23/05/2012 – Riomais20 – Como tratará da realidade da África Subsaariana
10/03/12 – Refugiados climáticos: do alerta ao fato
09/11/2011 – Refletindo sobre o Estado do Futuro
04/03/2012 – Pensata – Rio+20: agora é a vez do como
13/01/2012 -Rio+20: O que fazemos com tanta informação?
27/12/2011 – As teias que ligam a COP17 com a Rio+20
10/12/2011 -Relatório de Adaptação do IPCC: será que eles leram
09/11/2011 – Refletindo sobre o Estado do Futuro/Projeto Millennium
07/10/2011 – Russell Mittermeier-p1: foco em conservação das espécies e áreas protegidas
27/09/2011 – Quem quer fazer parte da estatística fatal provocada pela poluição?
13/09/2011 – A Rio+20 sob o olhar de quem esteve na ECO 92
07/08/2011 – O que se fala sobre vulnerabilidade climática (parte 1)
31/07/2011 –  Um diálogo com a Ecosofia
22/07/2011 – Alerta sobre o flagelo africano
28/06/2010  – A relação das APPs e as enchentes nordestinas
01/02/2010 –  Esp.FSM 2010 – Qual é a nossa conjuntura ambiental?
22/12/2009 – Especial COP15: Agora é a vez do panettone
19/12/2009 – Especial COP15 – O desacordo sela encontro
13/12/2009 – Especial COP15 – O balanço dos antagonismos
10/12/2009 – Especial COP15 – Lembrem bem deste nome – Tuvalu
06/12/2009  – Copenhague vira o centro do planeta
29/11/2009 – O caminho da economia verde
22/11/2009 – EIMA7: Como sair na contramão dos rumos das mudanças climáticas?
22/11/2009 – EIMA7: Entrevista: Giovanni Barontini sobre a COP-15
13/09/2009 – Qual ‘casa’ podemos construir para nós?
18/05/2009 – Especial II FCS – 3 – Um jornalismo mais comprometido
10/12/2008 – DHs: começam pelo princípio de dar dignidade à vida
29/07/2008 – Parte 2 – Plano Nacional de Mudanças Climáticas vai à consulta pública
01/04/2008 – Parte 1 – No caminho da Política Nacional de Mudanças Climáticas
05/09/2007 – As fronteiras das zonas de conflito

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk

Especial Biodiversidade (Parte 2): declínio de espécies ecoa alerta

29/10/2014 21:16

Situação está interligada com a pegada ecológica do ser humano e consequentemente ao quadro crescente das mudanças climáticas

Por Sucena Shkrada Resk

A fauna presente na América Latina está declinando nas últimas quatro décadas de forma ascendente, mais que em todo o globo. O silêncio começa a ocupar o lugar dos sons, dos movimentos, da vida animal terrestre e marinha. De certa forma, reflete um grito contido. Esse cenário de extrema vulnerabilidade é refletido pelo seguinte quadro: cerca de 83% das populações de peixes, aves, mamíferos, anfíbios e répteis da região é afetada por esta diminuição. Esse decréscimo é percentualmente superior ao declínio global de 52% no período, que avalia a situação de 10.380 populações de 3.038 espécies de vertebrados (sendo que no mundo, há o registro de 62.839). A maior parcela afetada é de espécies de sistemas de água doce. Os dados integram o recente Relatório Planeta Vivo 2014, da organização não governamental (ONG) WWF, que tem periodicidade bienal.

Algumas situações são extremas. Na China, por exemplo, a espécie Baiji ou golfinho do rio Yangtze (Lipotes vexillifer) é agora considerada extinta. A constatação foi feita em pesquisa realizada em 2006, quando não se conseguiu encontrar quaisquer indivíduos no rio Yangtze. Uma das causas considerada mais provável é de que a morte foi ocasionada pela pesca predatória.

No Brasil, segundo o Livro Vermelho da Fauna Brasileira, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), existem 135 espécies ameaçadas de água doce, sendo a maior parte da família Rivulidae (52), que se encontra principalmente entre a foz do rio São Francisco e os rios litorâneos do Estado de Santa Catarina.

No mundo, o que se observa são indícios de que a pressão à fauna nas zonas tropicais é maior, onde houve a redução de 56% , entre 1970 e 2010, ou seja, atingiu uma população de 1.638 espécies de um total de 3.811. Já no caso das zonas temperadas, o declínio foi de 36% correspondentes a 1.606 em um universo de 6.569 espécies. Entre as principais causas dessa redução, estão a perda e degradação de hábitat e a exploração por meio de caça e pesca (intencionalmente para o alimento ou esporte, ou acidentalmente, por exemplo, como as capturas acessórias),  a introdução de espécies invasoras e o processo acelerado das mudanças climáticas, que está se agravando, de acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU).

Não existem dúvidas de que o quadro de vulnerabilidade está associado à pressão antrópica global. A sobrecarga da pegada ecológica é grande: usamos o equivalente hoje a 1,5 Terras ou 18,1 bilhões de hectares. Assim, a conta não bate. E em 2050, quando seremos entorno de 9,6 milhões de indivíduos, é um contexto que já causa apreensão.

A métrica utilizada para se chegar a esses cálculos reúne dados sobre áreas construídas, estoques pesqueiros, florestas, pastagens, áreas de cultivo e carbono. Nesta matemática de subtração, a pegada de carbono é a mais predatória. E entre os países, com maior emissão, estão El Salvador, Jordânia, Myanmar, Equador, Tunísia e Colômbia. Só para se ter noção, em 1961, o carbono respondia por 36% de nossa pegada total, enquanto em 2010, o percentual era de 53% no mundo.

As 25 nações com maiores pegadas ecológicas (com população superior a um milhão de habitantes) são justamente as mais ricas e é aí que o conceito de desenvolvimento tem de ser repensado. Como exemplo, o Catar, que está no segundo lugar neste ranking, depois do Kwait, consome nada mais, nada menos, que 4,8 planetas.

Por incrível que pareça, as maiores perdas ecossistêmicas, no entanto, não ocorrem onde mais se explora, mas nos países de baixa renda. A relação de desigualdade se dá da seguinte maneira: essas nações acabam sustentando o estilo de vida das mais ‘desenvolvidas’. Nessa balança, as perdas recaem sobre a própria população. Atualmente, cerca de um bilhão de pessoas passam fome e 768 milhões não têm acesso à água limpa. Ao mesmo tempo, 1,4 bilhões também não têm acesso a fontes de energia limpa.

E no final das contas, o que se percebe com isso tudo é que as intervenções humanas,  que comprometem a diversidade biológica, são um ‘tiro no pé’ do ser humano, ou seja, nós. Aí está um dos inúmeros ângulos que integram a agenda complexa da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP-20), que acontece em dezembro, no Peru. E alguém ainda tem dúvida de que tudo está interligado?

Veja outros artigos que escrevi referente ao tema, no Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk:

15/10/2014 – Especial Biodiversidade (Parte 1): Protocolo de Nagoya passa a valer, sem o Brasil
16/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 3): de olho na justiça climática
12/09/2014 – Especial – Desenvolvimento Sustentável: como sair do círculo dos gabinetes?
29/08/2014 – Alerta vermelho ao estado de conservação da biodiversidade costeira e marinha brasileira
07/10/2011 -Russell Mittermeier-p1: foco em conservação das espécies e áreas protegidas
01/11/2010 – COP10-Biodiversidade: cartas colocadas à mesa
27/08/2010  -Diferentes olhares sobre a biodiversidade
*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk




Encheremos um balde d`água?

20/10/2014 17:24

Escassez hídrica não pode ser colocada na conta de “São Pedro”

Por Sucena Shkrada Resk

As nascentes do São Francisco (MG) estão praticamente secas, colocando em risco a existência do rio da integração nacional, que já sofre em toda sua extensão. O Paraíba do Sul, que abastece (RJ, SP e MG), está com dois metros abaixo de seu nível normal e se transformou em um rio de dunas em vários trechos. O Sistema Cantareira (SP) agoniza com menos de 4% de sua capacidade de seu volume e cerca de 70 cidades no Estado de São Paulo estão com falta d`água e 38 adotaram o racionamento. E a culpa é de ‘São Pedro’?

Quem é responsável e ao mesmo tempo paga a conta pelo desperdício e falta de previdência? Não é preciso ser especialista, para reconhecer que tem dedo do ser humano nesta história e, por sua vez, de gestões públicas incapazes de administrar com eficiência, com planos realísticos de longo prazo. O modus operandi é o mesmo há décadas. Com isso, a pergunta que não quer calar: será que em um futuro breve, conseguiremos encher um balde d´água?

Ainda é necessário lembrar que existem os ‘rios intermitentes’, que dependem somente do regime das chuvas, como no semiárido brasileiro, que tem como uma grande divisora, a calha do rio Parnaíba, se estendendo até o sul do sertão baiano.

Nesse cenário de retração e de alterações climáticas, é possível elencar uma série de inações, que acentuam a gravidade da atual situação, que vivemos, não só no Estado de São Paulo, como no Brasil:

– Desperdício de consumo pela própria sociedade (banhos longos, falta de manutenção, lavagem de calçadas, de carros etc)

– Desperdício por falta de manutenção do sistema de abastecimento de água, pelos órgãos e/ou empresas responsáveis (por causa de roubos e vazamentos). Há redes com mais de 40 anos, como é o caso de São Paulo; e como estão os demais municípios do país? Alguém já se fez essa pergunta? Afinal, há 5.570 em todo território nacional.

– Ausência de planos públicos de contingência (preventivos e reativos a cenários de desastres…);

– Falta de áreas protegidas (não só no papel, mas de fato) que conservem nascentes e matas ciliares. Muitas se encontram nos próprios centros urbanos e, sequer, são conhecidas, ou mesmo as que existem, por muitas vezes, não têm a fiscalização necessária;

– Um Código Florestal atual permissivo, que reduziu áreas de proteção;

– Estruturas de Comitês de Bacias Hidrográficas que, apesar de deliberativos, não conseguem ter uma atuação eficiente (com raras exceções e pontuais). De uma forma geral, todas as instâncias deveriam dialogar de maneira cooperada, da esfera municipal à federal, por causa de dependência entre bacias;

– Coleta e tratamento de esgoto sanitário muito aquém do ideal, no país, que transformam nossos rios em bacias sanitárias. Um dos principais problemas do Brasil;

– Políticas incipientes para a redução de produção de resíduos sólidos e destinação inadequada dos mesmos, que contaminam nossos lençóis freáticos, assoreiam nossos rios, praticamente os tornam mortos e facilitam a produção de metano e emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs). Quase 3,5 mil municípios ainda mantêm lixões.

– Desmatamentos florestais que têm aumentado, principalmente na Amazônia, que comprometem o ciclo d`água, os chamados rios voadores, que são responsáveis pelos ciclos pluviométricos em outras regiões, como o Sudeste;

– Falta de uma política efetiva aliando lavoura-pecuária-floresta, otimizando a ocupação do solo; o uso da água para irrigação…

Esses são alguns aspectos, num contexto macro. Exigem trabalho, suor, política, técnica e sensibilização contínua. Tudo que já existe, mas subutilizado no seu potencial construtivo. Resultado: Sem água, a escassez se projeta em efeito dominó, comprometendo:

–  A produção de alimentos;

–  A qualidade da saúde;

– O ciclo saudável das florestas;

– Da fauna;

– Da produção de energia;

– De bens de consumo;

– E no cenário extremo, nossas próprias vidas estão em jogo, porque tudo precisa de água. Essa afirmação não é uma frase clichê.

Trata-se de conectividade e de uma construção ecossistêmica. Isso reforça que os recursos hídricos prioritariamente fazem parte de uma agenda multidisciplinar que envolve todas as pastas de um governo e está no alicerce das infraestrutura dos municípios, dos Estados e do país. Depende da responsabilidade compartilhada com as organizações e nós, como cidadãos. Falando assim, parece até simples, mas talvez seja o problema mais complexo da contemporaneidade, porque ainda se pensa em ‘caixinhas’, de forma isolada. Dessa forma, os erros se perpetuam e, se nada mudar, o balde ficará seco.

Veja outros artigos que escrevi sobre o tema água/recursos hídricos, no Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk:

03/10/2014 – O “Velho Chico” tem sede 

26/09/2014 – Aristides Almeida Rocha: um olhar atento ao saneamento ambiental 
22/09/2014 Rio Tietê, um insistente subversivo

08/09/2014 Recursos hídricos: o exercício de conservação por microbacias 
02/09/2014 – O Código Florestal e a influência na gestão das águas
20/08/2014 – Cantareira expõe a fragilidade do sistema de abastecimento (Como entender a gestão das águas em SP – parte 1)
18/08/2014 – Qualidade das águas (Como entender a gestão das águas – parte 2)
15/08/2014 – Como entender a gestão das águas, no estado de SP (Parte 1)
14/10/2013 – Água: um bem depreciado na sociedade do desperdício
22/03/2013 – Água pura…quero ver-te
14/01/2013 – Reflexão: a desertificação e o consumo inconsciente 
24/08/2012 – Coleta e tratamento de esgoto: como será quando chegarmos a 2050?
07/06/2012 – Rumo à Rio+20: o valor oculto da água
23/05/2012  – Nota: Saneamento está interligado a outras infraestruturas
23/05/2012 – Riomais20 – Como tratará da realidade da África Subsaariana?
19/10/2011 – Recursos hídricos: uma pauta para a Rio+20
19/10/2011 – Esgoto: o calcanhar de aquiles do Brasil
28/10/2011 – Por dentro do saneamento básico
28/10/2011- Trata Brasil estuda projeto de educação para o saneamento
28/07/2011 – Atenção às nossas águas
*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk

Guaranis-Kaiowás resistem à dinâmica da desigualdade, mas até quando?

16/10/2014 14:26

Povo indígena tenta ser ouvido por autoridades

Por Sucena Shkrada Resk

Ter o direito de se expressar e se fazer ouvido e assistido em suas reivindicações pelas instâncias deliberativas brasileiras, desde os Governos federal e estadual à esfera judicial. Esse anseio tem sido manifestado pelo povo Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, de forma contundente, nos últimos anos. Mas pelo menos, desde a década de 50, essa etnia defende o direito à demarcação de terras indígenas e tem enfrentado a pressão da ocupação branca. Uma das mobilizações mais recentes teve início nos últimos dias, com um grupo com cerca de 40 lideranças indígenas. Eles montaram um acampamento em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, pedindo reavaliações sobre decisões que suspenderam, em algumas localidades, seus direitos territoriais indígenas. Entregaram um documento para a corte superior, resultante da Grande Assembleia Guarani-Kaiowá (Aty-Guasu).

Segundo o líder espiritual Nhanderu, é pelas crianças de seu povo, que estão lutando. “Não queremos guerra. Demarquem a nossa terra, pois nela queremos viver em paz. Confiamos na sensibilidade e Justiça…”. Historicamente já existem registros dos Guarani-Kaiowá na região sul matogrossense do país, desde o século XIX, como também no Paraguai.

Estima-se que hoje há cerca de 50 mil índios desta etnia, de acordo com o Conselho Missionário Indigenista (CIMI). Em 2008, eram 31 mil, de acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), como aponta dados históricos levantados Instituto Socioambiental (ISA). O que se observa, nas últimas décadas, é o aumento de casos de contendas entre índios e fazendeiros tramitando na região. Alguns casos estão obtendo parecer favorável da Justiça às comunidades indígenas e outros não (como no caso acima). A morosidade nos processos favorece uma atmosfera de insegurança desses povos. 

Cabe à Funai, o estudo antropológico, histórico e fundiário para subsidiar os pareceres para a delimitação das terras (tradicionalmente ocupadas). Entre as que se encontram nesta condição, estão as de Amambaipeguá e Apapeguá, em Ponta Porã; a de Brilhantepeguá, em Paranhos; a de Iguatemipeguá, em Sete Quedas e Iguatemi e a de Urucuty, em Amambay.

Projeto Vídeo nas Aldeias (formado por índios), via financiamento Catarse, está concluindo o longa-metragem Martírio, para contar a trajetória desse povo, no qual deverá exibir registros de imagens desde 1980.

Além do apoio recebido por organizações não governamentais nacionais, a causa desse povo tem sido visibilizada pela ONG inglesa Survival International. Hoje a etnia é uma das mais fragilizadas no Brasil e tem sido vítima de violência em conflitos com fazendeiros ou em emboscadas e muitos índios estão vivendo em acampamentos improvisados, em situação insalubre.

Em alguns casos, a Justiça determinou a nulidade do processo de demarcação da Terra Indígena, com o argumento de que os índios não estariam ocupando a terra em 1988, ano da atual Constituição brasileira, considerado pelos juízes, como um marco temporal. A partir deste período, foi atribuído legalmente à União o dever de marcar e proteger as terras indígenas. Os índios contestam a lentidão de processos e as revogações, dizendo que as terras em questão foram ocupadas por seus ancestrais.

O quadro desolador vivenciado pelos Guarani-Kaiowá é permeado por registros de assassinatos, suicídios e mortes por desnutrição. Um extremo de desigualdade é refletido nesta situação. A vulnerabilidade os torna retirantes e refugiados de seus próprios ‘lares’ e os levam ao estado de confinamento e itinerância, ao mesmo tempo.

A taxa de homicídio entre esse povo é de 145 mortes por 100 mil pessoas, enquanto que a média nacional é de 24,5/100 mil, de acordo com dados do Ministério Público Federal. A Secretaria Especial de Saúde Indígena, só em 2013, registrou 73 casos de suicídios, o maior índice em 28 anos. De 73 índios mortos, 72 eram desta etnia. De acordo com o médico Carlos Felipe D`Oliveira, da Rede Brasileira de Prevenção do Suicídio, na região habitada por esse povo, os maiores registros são em Amambaí, Paranhos e em Dourados (MS).

Seus apelos já chegaram à 27ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, neste ano, pelo professor Eliseu Lopes Guarani-Kaiowá. Na ocasião, sob companhia de representantes da Rede de Ação e Informação pelo direito à Alimentação – Fian (sigla em inglês) e do Cimi,  foi lançado o documento Brief Report on the violations of the Human Rights of the indigenous Kaiowá-Guarani peoples in Mato Grosso do Sul – Brasil.

No documento, consta que nos últimos 12 anos houve um assassinato a cada 12 dias, totalizando 361 indígenas desse povo. Ao mesmo tempo, 150 conflitos e 16 lideranças Guarani Kaiowá assinadas por fazendeiros, devido às suas lutas por território, nos últimos 10 anos. Somente um caso teria sido solucionado com a prisão dos assassinos: o da morte de Nísio Gomes, vitimado em 2011.

Eliseu foi  ameaçado de morte e já teve três membros de sua comunidade mortos na luta por seus territórios. Agora, ele está no programa de proteção do Governo Federal, que deve assegurar a integridade de sua vida.

Em 2013, o problema dos Guarani-Kaiowá foi exposto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, como também ao Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre a Questão dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas, cobrando uma postura do Estado brasileiro. Segundo Genito Gomes Guarani-Kaiowá, os antepassados de seu povo foram expulsos de seu tekoha (território tradicional) na década de 50, por fazendeiros, e a partir daí os índios se refugiam em pequenas reservas…

Agora, o que fica notória, é a necessidade de uma política pública mais eficaz nesta questão, para que ocorram decisões ‘justas e equitativas’, nos preceitos da justiça socioambiental, que assegurem a vida, os costumes e tradições dessas populações.

Veja também outros artigos que escrevi no Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkada Resk:

08/01/2013 – Atenção a histórias de vida sobre a luta em favor dos direitos humanos
*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk

ESPECIAL BIODIVERSIDADE (PARTE 1): PROTOCOLO DE NAGOYA PASSA A VALER, SEM O BRASIL

15/10/2014 18:05

País não ratificou o documento no Congresso Nacional

Por Sucena Shkrada Resk

Agora está oficialmente validado internacionalmente. Desde o dia 12 de outubro, entrou em vigor o Protocolo de Nagoya sobre Acesso a Recursos Genéticos e a Partilha Equitativa Justa dos Benefícios Decorrentes da sua Utilização, que está vinculado à Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB). Isso foi possível porque ocorreram até o momento, 51 ratificações de nações (são necessárias, no mínimo, 50 adesões). No centro deste acordo, está um mecanismo que garante que haja o acesso e a repartição dos benefícios a partir do uso de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados, de forma transparente e equitativa. As negociações foram estabelecidas, durante a Conferência das Partes (COP-10) da CDB, em 29 de outubro de 2010. O Brasil, o maior país megadiverso do mundo, chegou a ser um dos principais articuladores, mas até hoje o país não ratificou o documento. A resistência partiu principalmente da bancada ruralista no Congresso e da falta de pressão governamental.

No âmbito nacional, o protocolo seria um grande estímulo ao reconhecimento e respeito às tradições e cultura indígenas e quilombola. Tem o papel de assegurar que os recursos genéticos de uma comunidade apenas serão utilizados com o consentimento e conhecimento da mesma, que deve ser beneficiada por isso. Vale lembrar que à frente da secretaria da CDB, que se mobilizou para a aprovação do documento, está o brasileiro Bráulio Dias, que foi secretário Nacional de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, que agora vê o país fora das negociações da operacionalização do Protocolo.

Mas também quem acha que colocar o documento em prática é uma tarefa fácil, se engana. De acordo com o Relatório Perspectiva Mundial sobre a Diversidade Biológica 4, que é a avaliação do Plano Estratégico no setor (2011-2020), sob a coordenação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), os processos no mundo ainda são limitados. Um dos pontos destacados para essa dificuldade é a perda da diversidade linguística dos povos originários. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), 43% das línguas podem desaparecer. Desde o século XIX, já foram extintas 21 línguas no Norte do planeta, incluindo Alasca, Canadá e Federação Russa.

Mais um fator é o constante deslocamento de comunidades indígenas e locais. Algo, por exemplo, que ocorre no Brasil, com determinados povos, na Amazônia principalmente, diante à instalação de grandes empreendimentos (em especial, hidrelétricas) e de conflitos com latifundiários, como também dificuldades para a obtenção de titulações de terras por esses povos e por comunidades quilombolas. Segundo o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, no país há 817,9 mil indígenas, de 305 etnias, que falam 274 idiomas. O número de comunidades quilombolas está acima de 3,5 mil, de acordo com levantamento realizado pela Fundação Cultural Palmares.

Apesar da complexidade para implementação, o documento aponta que há casos de iniciativas que estão num caminho positivo em alguns países, como África do Sul e Myanmar, que servem de exemplo quanto à importância da participação das comunidades tradicionais locais na governança e gestão das áreas protegidas.

Segundo o relatório, nas Filipinas (apesar de ainda não ter ratificado o protocolo), também há exemplos interessantes, como da comunidade Tinoc Kalanguya, na província de Ifugao, que foi revitalizada com o incentivo a práticas tradicionais de uso e manejo da terra, usando enfoques ecossistêmicos culturalmente definidos.

O documento reforça, dessa forma, quais tipos de ações seriam inclusivos. Entre eles, a promoção de  iniciativas locais que englobem conhecimentos tradicionais e locais de biodiversidade e incentivos ao aprendizado e comunicação com as línguas indígenas, além de projetos de pesquisas com base nas metodologias tradicionais. Um dos propósitos é tornar estes povos parte efetiva da conservação da biodiversidade, o que na prática, já são, mas não têm o reconhecimento consolidado dentro da gestão pública.

Mais um aspecto do Protocolo de Nagoya é o incentivo à ampliação do que é chamada de “ciência cidadã’, por meio de formação de redes para promover e facilitar o acesso gratuito e aberto ao registro de coleções digitalizadas e observações de história natural. O trabalho é reconhecidamente difícil, porque muitos países não possuem capacidade de mobilização.

Um dos trabalhos em andamento é da Rede de Observação da Diversidade Biológica do Grupo de Observadores da Terra (GEO BON) e outro, da parceria global da Informática da Biodiversidade Global. Como propósito principal, está a criação de uma cultura de conhecimento compartilhado, normas comuns de dados, políticas e incentivos para a troca de dados e sistema de armazenamento sobre o tema, para que possa disseminar o conhecimento de forma rápida e regular.

Veja também no Blog Cidadãos do Mundo, outros artigos que escrevi a respeito do tema:
12/09/2014 – Especial – Desenvolvimento Sustentável: como sair do círculo dos gabinetes?
29/08/2014 – Alerta vermelho ao estado de conservação da biodiversidade costeira e marinha brasileira
07/10/2011 -Russell Mittermeier-p1: foco em conservação das espécies e áreas protegidas
01/11/2010 – COP10-Biodiversidade: cartas colocadas à mesa
27/08/2010  -Diferentes olhares sobre a biodiversidade
*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk


Uma paquistanesa e um indiano num propósito em comum: o direito à infância digna

13/10/2014 14:47

Ativistas, vencedores do Nobel da Paz, dão voz àqueles que são oprimidos

Por Sucena Shkrada Resk

O universo geopolítico é marcado por cisões de décadas que comprometem a qualidade de vida de suas populações, mas dois cidadãos conseguiram unir dois países separados, desde 1947, pelo menos, neste momento, por causa de suas iniciativas individuais voluntárias e propósitos em comum na defesa da infância e da adolescência com dignidade. Talvez nunca tenha se falado tanto sobre estes ativistas, como nesta última semana, quando foram anunciados como os vencedores do Nobel da Paz deste ano. Assim foi possível dar visibilidade mais ampla às causas que a jovem paquistanesa Malala Yousafzai, 17 anos, e o engenheiro indiano Kailash Satyarthi, 60 anos, defendem. Projetou-se uma luz a alguns abismos a serem superados.

A história de Malala revela, apesar da pouca idade, um ser humano resiliente, que quase morreu, por defender o direito das meninas estudarem em seu país (veja aqui no blog, o artigo que escrevi a respeito, no ano passado – “Educação: o exemplo de Malala”. A sua causa extrapolou sua nação e hoje ela, que ainda é uma estudante (na Inglaterra), afirma ter um olhar voltado a todas as pequenas e jovens cidadãs, que são impedidas de ter acesso ao ensino e a decidir seus destinos em outros lugares no planeta.

“…Vejo esse prêmio como uma mensagem para as pessoas de amor entre o Paquistão e a Índia e entre as diferentes religiões. E nós dois apoiamos uns aos outros. Não importa a cor de sua pele, que língua você fala e qual religião você acredita…Todos nós devemos lutar por nossos direitos, pelos direitos das mulheres, pelos direitos das crianças e de todo ser humano”. A adolescente lembra que cerca de 57 milhões de crianças não têm acesso à educação e essa é uma causa que se envolverá ainda mais e que precisa de apoio e sensibilização em todas as partes do mundo.

Satyarthi milita no combate à exploração de crianças para ganho financeiro e sua mobilização tem contribuído na criação de tratados internacionais sobre o tema. Ele é presidente da Marcha Global contra o Trabalho Infantil e membro da Organização Não Governamental (ONG) norte-americana Centro de Vítimas de Tortura. Ele chegou a liderar um movimento pacífico, em 1998, que levou mais de 7 mi pessoas às ruas. Estima-se que hoje haja cerca de 170 milhões de crianças em situação de exploração no planeta.

Passado, presente e futuro. Os dois ativistas, de certa forma, propõem uma releitura cultural e que está na base dos princípios dos direitos humanos. No sentido mais profundo da expressão, dão voz àqueles que não encontram eco nas instâncias que decidem, e revelam o quanto o extremismo e a negligência de conduções políticas podem ser fatores desconstrutivos não só a uma nação, mas globalmente.
*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk

O ‘Velho Chico’ tem sede

03/10/2014 19:16


As nascentes do rio da integração nacional estão secando e a bacia carece de medidas de longo prazo

Por Sucena Shkrada Resk

Sedento. Assim está o ‘Velho Chico’. Nascentes no Parque Nacional da Serra da Canastra, na região do Alto São Francisco, em Minas Gerais, estão praticamente secas. Ao longo de seu curso, como em Pirapora (MG), a 500 quilômetros da unidade de conservação, os sinais ‘desérticos’, de estiagem, trazem apreensão. A Represa de Três Marias, nessa região, está somente com 6% de sua capacidade de volume útil, segundo a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Mas os longos períodos sem chuva são apenas parte do problema.

O que acontece com o ‘rio da integração nacional’? Talvez, a pergunta certa seja: o que está ocorrendo ao longo dos anos? Não é um fato que surgiu de uma hora para outra, mas resultado de uma série de problemas ao longo do tempo, que envolve a gestão pública federal, estadual às municipais, quanto à falta de controle no uso de suas águas para irrigação, pela indústria, quanto aos desmatamentos e incêndios no entorno. As matas ciliares estão se extinguindo, deixando o rio São Francisco cada vez mais vulnerável. Há a carência de planejamento de longo prazo para sua conservação, planos de adaptação e redução de danos. É preciso uma intervenção mais efetiva da Agência Nacional das Águas (ANA), que está acompanhando a situação crítica da estiagem. 

Será que as chuvas previstas, a partir desta Primavera, darão jeito nesta crise? Essa, pelo menos, é a expectativa do vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Wagner Costa. Uma incógnita. Historicamente, no entanto, o trimestre mais chuvoso é de novembro a janeiro, que corresponde a até 60% da precipitação anual. O certo é que hoje moradores narram que nunca viram tamanha estiagem há décadas. Os bancos de areia se formam onde antes havia abundância de água.

A pressão antrópica já é registrada oficialmente, desde 1985. De acordo com o CBH, estima-se que àquela época já atingia 24,8% da área da bacia, sendo que as pastagens correspondiam a 16,6%; a agricultura, 7%; o reflorestamento, 0,9%; e usos diversos, 0,3%.

Agora, este cenário desértico afeta a economia e subsistência local. Até as balsas deixaram de operar temporariamente por causa deste trecho comprometido e preocupa autoridades quanto ao transporte da população ou em caso de emergência, entre os municípios  de São Francisco, Pintópolis e Urucuia. A situação começou a ser identificada já em julho deste ano. A Marinha do Brasil determinou também que o único vapor em atividade no mundo – o Benjamim Guimarães – pare  de navegar até que o rio volte à sua normalidade, na região de Pirapora.

A Bacia Hidrográfica do Velho Chico’ é tão importante porque corta sete Estados brasileiros –  Bahia (48,2%), Minas Gerais (36,8%), Pernambuco (10,9%), Alagoas (2,2%), Sergipe (1,2%), Goiás (0,5%) e Distrito Federal (0,2%). Um total de 504 municípios depende de sua vitalidade hídrica. É a referência da população principalmente do semiárido, em 2,7 mil quilômetros de extensão. Mas também cobre os biomas da Mata Atlântica e do Cerrado.

O rio passa por uma obra de transposição polêmica, com sucessivos atrasos, e valores orçados recalculados, que chegam à casa de R$ 8,2 bilhões, praticamente o dobro do custo inicial. Começou em 2007 e tem prazo estimado de conclusão, até 2016. A primeira estimativa era 2010. Segundo o Ministério de Integração Nacional, a meta é levar o acesso à água para 12 milhões de nordestinos. No presente, o que o ‘Velho Chico’ precisa é que suas nascentes tenham abundância de água. Quer simplesmente viver.

Veja também outros artigos que escrevi sobre o tema recursos hídricos, no Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk:

26/09/2014 – Aristides Almeida Rocha: um olhar atento ao saneamento ambiental 
22/09/2014 Rio Tietê, um insistente subversivo

08/09/2014 Recursos hídricos: o exercício de conservação por microbacias 
02/09/2014 – O Código Florestal e a influência na gestão das águas
20/08/2014 – Cantareira expõe a fragilidade do sistema de abastecimento (Como entender a gestão das águas em SP – parte 1)
18/08/2014 – Qualidade das águas (Como entender a gestão das águas – parte 2)
15/08/2014 – Como entender a gestão das águas, no estado de SP (Parte 1)
14/10/2013 – Água: um bem depreciado na sociedade do desperdício
22/03/2013 – Água pura…quero ver-te
14/01/2013 – Reflexão: a desertificação e o consumo inconsciente 
24/08/2012 – Coleta e tratamento de esgoto: como será quando chegarmos a 2050?
07/06/2012 – Rumo à Rio+20: o valor oculto da água
23/05/2012  – Nota: Saneamento está interligado a outras infraestruturas
23/05/2012 – Riomais20 – Como tratará da realidade da África Subsaariana?
19/10/2011 – Recursos hídricos: uma pauta para a Rio+20
19/10/2011 – Esgoto: o calcanhar de aquiles do Brasil
28/10/2011 – Por dentro do saneamento básico
28/10/2011- Trata Brasil estuda projeto de educação para o saneamento
28/07/2011 – Atenção às nossas águas
*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 8): o Haiti não pode ser esquecido

02/10/2014 15:14

Crédito da foto: Ivan Munox/Intermon_Oxfam

Crédito da foto: Ivan Munox/Intermon_Oxfam

Este país é o que mais necessita de apoio internacional hoje nas Américas

Por Sucena Shkrada Resk

Entre o mar do Caribe e o oceano Atlântico, ao lado da República Dominicana, lá está o Haiti. Este país insular, com 27,7 mil km2 (tamanho equivalente ao estado de Alagoas)  e população predominantemente negra, de cerca de 10 milhões de habitantes, é o mais pobre e vulnerável das Américas, ou melhor, do hemisfério Ocidental. Para nós, brasileiros, se tornou o exemplo mais próximo – latino-americano – da conjunção de problemas geopolíticos do século XIX, que não podemos menosprezar ou invisibilizar. Tanto no recorte dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODMs) como das propostas para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs), após 2015, esta nação necessita, e muito, de apoio internacional em todas as metas. Como os países da África Subsaariana, encontra na resiliência de seu povo, um de seus principais instrumentos de defesa e sobrevivência.

Talvez muitas pessoas tenham esquecido, mas com certeza, a população haitiana, não. O ano de 2010 foi um dos mais impactantes para esse povo. Terremotos em janeiro daquele ano, na região da capital Porto Príncipe, resultaram na destruição de metade das construções, em mais de 250 mil feridos, além de desabrigar 1,5 milhão de habitantes. O pior: cerca de 300 mil habitantes morreram, incluindo, alguns brasileiros. Entre eles, estava a médica Zilda Arns Neumann, 73 anos, coordenadora internacional da Pastoral da Criança.

Quatro anos se passaram, e o retrato da carestia permanece. Apesar de 90% dos desabrigados terem retornado a suas casas (a maioria precárias), entorno de 146 mil continuam sobrevivendo em 271 campos de refugiados distribuídos no país. A ajuda internacional (na casa dos bilhões de dólares) prometida por diferentes países, principalmente dos EUA, não chegaram a atingir essas cifras e as contribuições hoje são insuficientes para a reconstrução e para possibilitar a retomada de autonomia do país, mas já trazem um pouco mais de alento aos haitianos. Milhares também estão se refugiando em outros países, como o Brasil. Esses deslocamentos estão reformulando a infraestrutura imigratória, que também tem a pegada climática, e é uma realidade que se torna mais presente e complexa de se lidar no mundo contemporâneo.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Plano de Ação Humanitária para o país em 2014 revela que ocorreram alguns avanços nos últimos anos. Os 1,5 milhão de pessoas em insegurança alimentar até o início de 2013 passaram a 600 mil, em outubro do mesmo ano. Já a taxa de mortalidade infantil foi reduzida para 59 por mil nascimentos (o que ainda é bem significativo) e as matrículas em escolas primárias passaram de 49,6% em 2006 para 77% em 2012. Boa parte da infraestrutura, entretanto, continua deteriorada e a incidência de casos, como de cólera, continua (representam metade dos registros no mundo). E o maior desafio: aproximadamente 30% dos 10 milhões de haitianos ainda sofrem necessidades crônicas e graves. Integrantes de organizações não governamentais, como Médicos Sem Fronteiras, Oxfam Internacional, Cruz Vermelha Internacional, entre outras continuam prestando assistência nas áreas de saúde e saneamento.

Segundo Relatório de Insegurança Alimentar 2014 da FAO (braço da agricultura e da alimentação da ONU), a insegurança alimentar no Haiti permanece relacionada aos altos níveis de extrema pobreza. Em 2001, 62% da população viviam com menos de US$ 1,25/dia. Com baixas taxas de crescimento econômico, com média de 0,8% ao ano, esse quadro pouco melhorou. Entre 2000 e 2012, a pobreza persistiu e as últimas estimativas sugerem que 40% da população vivia abaixo da linha ainda mais grave de US$ 1/dia. Os recorrentes desastres naturais, por sua vez, acentuam a fragilidade econômica.

Mas para tentar entender a complexidade do Haiti, é necessário lembrar que a extrema vulnerabilidade se apresenta no contexto de décadas de instabilidade socioeconômica, decorrente de governos ditatoriais, que contribuíram para um quadro de desemprego, subnutrição crônica, e praticamente insolvência de políticas públicas. Isso ocorreu numa atmosfera de corrupção, do narcotráfico e de guerras civis, além da destruição de suas florestas, pela ação predatória. Apesar de ser o primeiro país da América latina a conseguir independência (no seu caso, da França), no século XIX, hoje figura com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH).

O país depende predominantemente da importação de alimentos. Cerca de 80% de arroz e 100% de trigo, que são alimentos básicos, e respondem por um terço de calorias do consumo da população, são provenientes do mercado internacional. De acordo com a FAO, um dos principais caminhos encontrados atualmente para melhorar essa situação estão relacionados aos incentivos à agricultura familiar, que ajudam a abastecer o Programa Nacional de Alimentação Escolar . O governo também está adotando um Programa de Transferência Condicional de Renda a famílias em extrema pobreza, entre outras iniciativas.

De 1957 a 1986, prevaleceu a governança ditatorial do médico-sanitarista François Duvalier (Papa Doc) e depois, de seu filho Jean Claude Duvalier (Baby Doc). Na sequência, a liderança do país foi assumida por militares. As primeiras eleições livres ocorreram em 1990, com a posse do padre Jean-Bertrand-Aristide, que sofreu novo golpe militar, e só retornou em 1994. O gestor de negócios e agrônomo René Garcia Préval assumiu de 1996 a 2001 e depois de 2006 a 2011 e na sequência dele assumiu o músico Michel Joseph Martelly.

Hoje a fragilidade continua. Os organismos internacionais humanitários temem que ao menor choque haja a rápida deterioração do estado de segurança alimentar e nutricional da população, que ainda é lento. Para a reestruturação do país, estão sendo fortalecidas algumas instâncias administrativas, como a Coordenação Nacional de Segurança Alimentar,  a Direção Nacional de Abastecimento de Água e Saneamento, o Grupo de Trabalho sobre Proteção da Criança e a Direção de Proteção Civil. Mas é preciso muito, muito mais.

Veja também no Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk, outros artigos que escrevi sobre o tema:

01/10/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 7): o direito dos povos indígenas 
30/09/2014 Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 6): a longevidade diz muito
29/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 5): a Cúpula do Clima e a posição polêmica brasileira

22/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 4): caminhada pelo clima, sociedade quer ser ouvida 
16/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 3):  de olho na justiça climática 
15/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 2): os desafios dos ODM aos ODS no Brasil 
12/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável – Como sair do ciclo dos gabinetes? 
21/09/2012 – Refugiados: o quanto compreendemos dessa realidade? 
07/08/2012 – Políticas fragmentadas e mudanças climáticas intensificam crise na África 
07/02/2012 – Malária: uma realidade do século XXI 
11/09/2011 – Rio+20: pratiquem o exercício de reflexão e cidadania
07/08/2011 – O  que se fala sobre vulnerabilidade climática (parte 1)
27/3/2011 – Com qual lente olhamos os desastres naturais?
02/09/2010 – Adaptação tem de ultrapassar a retórica
06/03/2010 – As necessidades elementares
26/01/2010 – Especial Fórum Social Mundial 2010 : Mobilização em prol do Haiti
21/01/10 – Haiti: mais braços se somam
14/01/10 – Haiti – A comunicação e a saúde ambiental
13/01/10 – Pensata: Haiti – O sentido da universalidade (2)
11/01/10 – Pensata: o sentido da universalidade
10/12/09 – Especial COP15 – Lembrem bem deste nome – Tuvalu
16/03/2008  – Onde está o Haiti?
*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 7): o direito dos povos indígenas

01/10/2014 10:49

Em Conferência Mundial, povos reforçam a necessidade de assegurar o que já é acordado em documentos internacionais, e no Brasil, há mobilizações para defender demarcações e segurança dos índios

Por Sucena Shkrada Resk

Declarações, convenções internacionais e leis nacionais não são suficientes para assegurar os direitos dos povos indígenas no dia a dia. Eles se veem reféns de um sistema de modelo de desenvolvimento ainda segregacionista.  Durante a Conferência Mundial dos Povos Indígenas, realizada em 23 de setembro, em Nova York, esse sentimento foi expresso por representantes de diferentes etnias espalhadas pelo mundo, reforçando a necessidade de implementação. Apesar desses povos representarem 5% da população, eles concentram 15% da camada mais pobre no planeta. A indígena guatemalteca Rigoberta Menchú, ganhadora do Nobel da Paz, destacou que estavam reunidos no evento, ‘na esperança de possibilitar uma vida plena e não apenas uma vida de sobrevivência”.

Uma das principais reivindicações  dos povos indígenas é que sejam reconhecidas suas prioridades para o desenvolvimento, com base no reconhecimento dos seus direitos às terras, aos territórios, recursos, ar, gelo, oceanos e à água, às montanhas e às florestas. E os mesmos estabelecidos em conexão com os costumes, crenças, valores, línguas, culturas e conhecimentos tradicionais. Eles recomendam que essa meta seja integrada aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) e da Agenda de Desenvolvimento pós-2015 das Nações Unidas.

Há dois anos, durante a Cúpula dos Povos, no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), no Rio de Janeiro, mais de 1.800 índios fizeram várias reivindicações, neste sentido, por meio da Declaração Final do IX Acampamento Terra Livre. Ao mesmo tempo, no campo das negociações, na Rio+20, houve o espaço a  Kari-Oca, encontro que reuniu cerca de 400 índios, de 14 etnias brasileiras, e 20 representantes de tribos do Canadá, dos Estados Unidos, do Japão, México e da Guatemala.

Contexto brasileiro

No dia 14 de setembro deste ano, a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) encaminhou aos candidatos (as) à Presidência da República, uma carta aberta solicitando que assegurem seus direitos já previstos em Constituição, com relação a temas como consolidação de demarcação de terra e ao atendimento de saúde. Os povos indígenas citam projetos de lei, portarias e medidas que estariam se confrontando com direitos assegurados. Há várias reivindicações referentes principalmente à construção de grandes complexos hidrelétricos na região amazônica e à permissão de atividades mineradoras. No Brasil, segundo o Censo 2010, há 240 povos, totalizando mais de 896 mil pessoas. Deste total, 324,8 mil vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais, o que corresponde aproximadamente a 0,47% da população total do país. 

Em maio deste ano, cerca de 300 índios, invadiram a cúpula do Congresso Nacional, em protesto contra projetos que tramitam na Casa, que podem reduzir as terras indígenas no país.

Assassinatos de indígenas têm aumentado nos últimos anos, devido a conflitos por terras. Segundo a Pastoral da Terra, o número de vítimas é o maior, desde 1988. O Conselho Indigenista Missionário lançou o Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – dados 2013, reforçando a fragilidade que aumenta à segurança dos povos indígenas e o registro de 53 assassinatos de indígenas, no ano passado.

A APIB também já havia feito uma denúncia à Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a regressão dos direitos indígenas no país, neste ano. A gravidade da situação também resultou na criação da Comissão Especial  (permanente) de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, na Ordem dos Advogados do Brasil, no ano passado, que tem à frente de sua presidência, a advogada indígena Joênia Batista de Carvalho, da etnia wapichana. Um dos principais trabalhos sobre a situação dos povos indígenas no Brasil, hoje, está disposto em uma plataforma digital criada pelo Instituto Socioambiental (ISA). A Fundação Nacional do Índio (Funai) não consegue exercer plenamente o papel de proteção, frente aos interesses controversos no paradigma desenvolvimentista dentro da própria estrutura federal. Ao mesmo tempo, os índios lutam para ter autonomia em um contexto de maioria branca.

Processo histórico

Durante o processo histórico mais recente, no ano de 2007, foi instituída a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Naquela ocasião, 144 Estados foram a favor e Austrália, Canadá, EUA e Nova Zelândia se posicionaram contra. Ao mesmo tempo, 11 países se abstiveram de votar ((Azerbaijão, Bangladesh, Butão, Burundi, Colômbia, Geórgia, Quênia, Nigéria, Rússia, Samoa e Ucrânia).

O que se observa em pautas polêmicas, nos últimos anos, principalmente no Brasil, são situações que se confrontam, por exemplo, com o artigo 10 da Declaração, que diz o seguinte: “Os povos indígenas não serão removidos à força de suas terras ou territórios. Nenhum traslado se realizará sem o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas interessados e sem um acordo prévio sobre uma indenização justa e eqüitativa e, sempre que possível, com a opção do regresso”.

Já o artigo 19 complementa… “Os Estados consultarão e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre, prévio e informado antes de adotar e aplicar medidas legislativas e administrativas que os afetem”.

No contexto da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção no 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989; por exemplo, só se tornou lei (Decreto nº 5051) no Brasil, em 2004.

Sempre é bom lembrar que, desde 1988, a Constituição brasileira, nos seus artigos 231 e 232, assegura os direitos indígenas. E se for mais a fundo, o que se discute são Direitos Humanos fundamentais. A questão é não se ter pesos e medidas diferentes, que refletem idiossincrasias governamentais.

Veja no Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk, outros artigos que escrevi a respeito deste tema:
30/09/2014 Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 6): a longevidade diz muito
29/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 5): a Cúpula do Clima e a posição polêmica brasileira

22/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 4): caminhada pelo clima, sociedade quer ser ouvida 
16/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 3):  de olho na justiça climática 
15/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 2): os desafios dos ODM aos ODS no Brasil 
12/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável – Como sair do ciclo dos gabinetes?  
29/03/2013 – Reflexão: Na pulsação da “Pachamama” andina
26/03/2013  Um olhar sobre a Venezuela megadiversa
11/09/2011 – Rio+20: Aldeia da Paz deverá ser referência para alojamento
30/06/2011 – 50 anos de Xingu: memórias de reportagens
26/10/2010 – A Psicologia e os índios: na busca de respostas
26/11/2010 – Especial Fórum Social Pan-Amazônico-Abertura leva centenas de pessoas à orla
28/08/2010 – Entremundos:olhar atento ao leque de conhecimento
28/08/2010 – Entremundos: Identidade, uma questão semântica?
29/06/2010  – Mudanças Climáticas em pauta
28/01/2010 – Esp. FSM 2010 – Boaventura Santos traça perfil da hegemonia
28/01/2010 – O clamor dos povos indígenas
26/01/2010 – Índios na ofensiva ideológica

10/12/2008  – Um apelo real

(Crédito da foto: ONU/Amanda Voisard)

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 6): a longevidade diz muito

30/09/2014 16:09

Qualidade de vida e felicidade são componentes que revelam as prioridades de políticas públicas

Por Sucena Shkrada Resk

Diga a verdade! Tem muita gente que quer saber o segredo das japonesas e dos islandeses, não é? Eu me incluo, neste contingente de curiosos. Afinal, segundo o Relatório Mundial da Saúde 2014, da Organização Mundial de Saúde (OMS), as mulheres da ‘terra do sol nascente’ chegam à expectativa média de vida de 87 anos e no país nórdico, os homens, a 81 anos. São os que mais vivem no mundo, em sua maioria, lúcidos e felizes, lembrando que há nestas populações, muitos centenários. O reverso da moeda, em que a longevidade é reduzida, é retratado nos países da África Subsaariana, onde a média é de 55 anos. Por que será? Uma das respostas para isso se encontra no exercício de políticas públicas sustentáveis, que colocam a qualidade de vida como premissa de desenvolvimento. Aí está uma boa dica para os gestores avaliarem, às vésperas do Dia Internacional do Idoso (1º/10) e com a projeção de um mundo em 2050, com mais de 9,6 bilhões de pessoas.

No caso do Japão, de acordo com os pesquisadores do Departamento de Política Global de Saúde da Universidade de Tóquio, a maior expectativa de vida está relacionada ao investimento contínuo do Estado viabilizando o acesso dos habitantes a medidas de saúde pública, dieta equilibrada (arroz, peixes, vegetais e frutas…), educação, cultura e também a atitudes de higiene introduzidas nos hábitos cotidianos da população. Exercitar a mente e corpo se torna algo motivador ao longo da vida dessas pessoas, segundo relatos de seus habitantes mais velhos, em reportagens veiculadas nos últimos anos.

É pertinente destacar que este arquipélago, com 372 mil quilômetros quadrados e população na casa de 128 milhões de pessoas, está localizado no leste asiático, banhado pelo Pacífico, e é um dos países que mais enfrenta terremotos e erupções vulcânicas no mundo e está na maior parte do ano, sob temperaturas bem baixas. Apesar dessas características adversas e de ter superado os efeitos desastrosos da Segunda Guerra Mundial, está entre os países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no planeta (0,890). Essa métrica, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) avalia dados sobre longevidade, renda e educação e tem parâmetros de 0 a 1.

O pesquisador japonês Kenji Shibuya, que liderou o estudo sobre a longevidade, explicou em entrevista concedida à BBC de Londres, que ações públicas de campanhas, no controle da pressão arterial, na redução do consumo de sal, e a cobertura com medicamentos anti-hipertensivos e com o seguro nacional de saúde foram essenciais neste processo, iniciado nos anos 60. Por outro lado, o país também enfrenta seus desafios quanto ao aumento de casos de suicídio e de tabagismo e alcoolismo, que revelam as implicações do desemprego e da crise econômica. São os traços do capitalismo que requerem aprimoramento na contemporaneidade.

Mas com certeza, ter a vida de centenária, lúcida, como de Misao Okawa, da cidade de Osaka, que completou em 2014, 116 anos, não é para qualquer um.  O país tem mais de 54 mil centenários registrados. Algo difícil de acreditar,  mas é verdade.

Bem, por outro lado, a  pequena Islândia, com 102,8 mil quilômetros quadrados, banhada pelo oceano Atlântico Norte,  próxima ao círculo polar ártico, é também um dos países com maior IDH – 0,895 – no mundo.  Como o Japão, também é insular e vulcânico e tem forte dependência da pesca. Um traço interessante entre os dois, que revelam os desafios geográficos e climáticos que conseguem administrar. E é neste país, que está ocorrendo o mapeamento do genoma de boa parte da população. Lá o Estado tem o controle da economia, e a previdência social é considerada uma das mais avançadas.

Tanto no Japão como na Islândia, morrer por diarreia, desnutrição, parto prematuro ou de cardiopatias é mais difícil justamente porque suas políticas públicas favorecem um alicerce sólido para suas populações terem acesso à estrutura permanente de atendimento à saúde (partindo da prevenção) e educação básica até o ensino superior e nutrição balanceada. Esses aspectos são associados à valorização do indivíduo e de seu papel na coletividade, o que, de certa forma, infere o conceito de felicidade.

E falando em felicidade, acredito que de alguma forma, até subliminar,  o exemplo da Felicidade Interna Bruta, do Butão, que começou a ganhar espaço a partir dos anos 70, seja um ingrediente para essa longevidade. Nesta hora, Oriente e Ocidente se misturam. A pegada, neste caso, é visualizar o desenvolvimento econômico integrado ao psicológico, cultural e espiritual em harmonização com o planeta.

Veja também outros artigos que escrevi sobre os temas acima, no Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk:
29/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 5): a Cúpula do Clima e a posição polêmica brasileira

22/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 4): caminhada pelo clima, sociedade quer ser ouvida 
16/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 3):  de olho na justiça climática 
15/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 2): os desafios dos ODM aos ODS no Brasil 
12/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável – Como sair do ciclo dos gabinetes?  
18/03/2013 – A métrica da felicidade na agenda sustentável 
01/11/2012 – Domenico De Masi : 2020 em 10 tendências
09/11/2011 – Neide Duque: habitação digna na maior idade
09/11/2011 – Refletindo sobre o Estado do Futuro/Projeto Millennium
08/03/2011  A busca pela Felicidade Interna Bruta
12/10/2009 – Brasil: Estamos preparados para envelhecer?
23/11/2009  A felicidade construída pelo Butão
22/11/2009  EIMA7: saberes e proatividade regem o desenvolvimento sustentável
25/05/2008 – Especial Brasil/Japão – O fenômeno dekassegui

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Especial Desenvolvimento Sustentável (Parte 5): a Cúpula do Clima e a posição polêmica brasileira

29/09/2014 16:49

País não assina a declaração mundial de países para atingir o desmatamento zero até 2030

Por Sucena Shkrada Resk

Receio de quê? Esta é a primeira pergunta que vem à mente diante do posicionamento do Brasil em não assinar a declaração mundial resultante da Cúpula do Clima das Nações Unidas, com chefes de Estado, realizada em Nova York, no último dia 23, que prevê o esforço de ações dos países do sistema ONU para reduzir o desmatamento à metade até 2020 e  atingir o ‘desmatamento zero’ em 2030. As resoluções integrarão as negociações, agora, em dezembro, na Conferência das Partes da  Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, em Lima (COP-20), no Peru, que tem como foco principal o combate às emissões provenientes dos combustíveis fósseis.

Durante o evento, na semana passada, houve a participação de 120 líderes mundiais e o acordo teve a adesão de 150 países e organizações, entre eles, 28 Estados-Membros, 35 empresas, 16 grupos indígenas e 45 grupos da sociedade civil. De acordo com declaração de Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente, à imprensa internacional, o país não apoiou a resolução, porque ‘não havia sido convidado a participar de seu processo de elaboração e temia que o texto pudesse colidir com as leis brasileiras em vigor’. Entende-se Política Nacional sobre Mudança do Clima e atual Código Florestal. A PNMC propõe uma meta voluntária, em que o país que se comprometeu, no âmbito da COP, de reduzir entre 36% e 39% até 2020 as emissões de Gases de Efeito Estufa (calcadas na maior parte, até então, no desmatamento).

A presidente Dilma Rousseff, em seu pronunciamento na Cúpula, afirmou que, entre 2010 e 2013, o Brasil deixou de lançar anualmente 650 milhões de toneladas de CO2 e, nos últimos 10 anos, reduzindo o desmatamento em 79% (Amazônia e também Cerrado). Dados mais recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) revelam, entretanto, que entre agosto de 2012 a julho de 2013 em comparação com o mesmo período do ano anterior, houve o desmatamento de 5.891 quilômetros quadrados na Amazônia Legal, segundo registros do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal (Prodes). Isso representa um aumento de 29% no período. Um sinal de alerta.

Ao analisar com um pouco mais de profundidade a‘tônica’ de desmatamento zero’ até 2030, proposta na Cúpula do Clima, o desconforto gerado ao governo brasileiro fica mais claro, por causa da ambigüidade interna do país, entre sua política na área de agronegócios e a da pasta ambiental. Apesar de haver a constatação (pelo menos no discurso) de que o caminho da integração da lavoura-pecuária-floresta é necessária para otimizar o uso da terra, ainda há uma grande lacuna para isso se efetivar. Disposições quanto à diminuição de exigências no tocante a Áreas de Proteção Permanente (APPs) e reservas legais, no atual Código Florestal também abrem precedentes considerados comprometedores, segundo especialistas.

E enquanto o Brasil não assume um posicionamento definitivo de como se comportará neste novo concerto que está sendo desenhado nas negociações climáticas, outras nações aparentemente se colocam mais proativas nas negociações. Alemanha, Noruega e Reino Unido se comprometeram em doar US$ 2,7 bi para países que mantenham combate ao desmatamento nos próximos anos. Essas iniciativas incluem apoio a povos indígenas em programas de Redução das Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), uma ferramenta que já existe no sistema ONU.

Os países mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, por sua vez, se unem num esforço cooperativo já que as negociações do fundo clima ainda são insípidas na prática, apesar de ter sido criado no âmbito da COP. Na África, a iniciativa é o Corredor de Energias Limpas da África, com a participação de 19 países, que tem como meta cortar as emissões anuais de CO2 em 310 toneladas métricas até 2030. O mesmo empenho é visto com relação aos Pequenos Países Insulares do Caribe, da África e do Pacífico. Neste caso, a mobilização tem como objetivo a captação de US$ 500 mi em cinco anos, para a produção de energia solar e eólica, entre outras fontes renováveis e limpas.

Transporte na pauta

Na agenda da Cúpula do Clima, no setor de transportes, que responde por um quarto das emissões de GEEs, no planeta,  também foram tecidos compromissos, com ênfase à mobilidade urbana elétrica.  O transporte sobre trilhos foi destacado com a participação da União Internacional dos Caminhos de Ferro, formada por 240 integrantes distribuídos na Europa, China, nos Estados Unidos, na Índia e na Rússia. O grupo lançou o chamado Desafio do Transporte Ferroviário Sustentável de Baixo Carbono. A ideia é que haja o incentivo à utilização de trens no transporte de cargas e de passageiros.

Agenda do clima local

Paralelamente as principais metrópoles integrantes do Pacto Global de Prefeito, incluindo o Rio de Janeiro, assumiram a meta de redução das emissões para 454 megatoneladas até 2020. Esse grupo é formado por mais de 2 mil cidades atualmente, sendo que 10% já estabeleceram objetivos específicos de combate às mudanças climáticas.

O processo de discussão da Cúpula do Clima pode ser conferido no site: https://migre.me/lZkpp. Agora, o desenrolar desses compromissos pode ser acompanhados na COP-20.

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18/05/2009 – Especial II FCS – 3 – Um jornalismo mais comprometido
10/12/2008 – DHs: começam pelo princípio de dar dignidade à vida
29/07/2008 – Parte 2 – Plano Nacional de Mudanças Climáticas vai à consulta pública
01/04/2008 – Parte 1 – No caminho da Política Nacional de Mudanças Climáticas
05/09/2007 – As fronteiras das zonas de conflito

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk

Leia mais: https://cidadaosdomundo.webnode.com/blog/sucenasresk/



ARISTIDES ALMEIDA ROCHA: UM OLHAR ATENTO AO SANEAMENTO AMBIENTAL

26/09/2014 15:09

https://cidadaosdomundo.webnode.com/_files/200000530-9f84ca07eb/aristides-rocha.jpg

Especialista fala dos conceitos a ações e orientações práticas de soluções para corpos d´água importantes, como o rio Tietê, em São Paulo

Por Sucena Shkrada Resk

Praticamente meio século. Esta é a trajetória de Aristides Almeida Rocha, doutor em Ciências Biológicas, que durante a sua vida acadêmica e de pesquisador da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) e como consultor e cidadão, contribuiu em larga escala em análises e trabalhos sobre saneamento ambiental. Enfoca até hoje uma visão transversal, com os impactos ambientais e na saúde pública, como soluções para os mesmos. Em entrevista exclusiva ao Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk, ele trata do tema, desde o conceito a exemplos práticos de remediação e sugestões para o Rio Tietê. Rocha editou o livro “Ciências do Ambiente, Saneamento, Saúde Pública”, em 1995, pela FSP/USP, e foi um dos organizadores da obra “Saúde Pública – Bases Conceituais, 2013, pela Editora Atheneu, 2ª  Edição, e coautor do Capitulo Saúde Ambiental e Ocupacional, do mesmo.


Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk: 
Qual é o conceito de saneamento ambiental e como se encontra hoje a situação do Brasil?

Aristides Almeida Rocha: As inter-relações existentes entre o meio ambiente e a Saúde Pública vêm sendo objeto de estudo de pesquisadores e profissionais ligados à saúde desde a remota Antiguidade. Já a famosa obra de Hipócrates Dos ares, das águas e dos lugares (Século IV a.C.), ressalta essas influências ambientais nas condições de saúde de grupos humanos. Há, portanto, várias definições de Saneamento Ambiental ou melhor, de Saúde Ambiental, mas me parece que a mais interessante foi apresentada na Carta de Sófia :

“Saúde Ambiental são todos aqueles aspectos da saúde humana, incluindo a qualidade de vida, que estão determinados por fatores físicos, químicos e biológicos, sociais e psicológicos no meio ambiente. Também se refere à prática de valorar, corrigir, controlar e evitar aqueles fatores do meio ambiente que potencialmente possam prejudicar a saúde de gerações atuais e futuras” (Organização Mundial da Saúde-OMS, 1993).

Como área de estudos e intervenção, historicamente, a Saúde Ambiental dedicou-se, nas décadas de 1950 a 1970, sobretudo ao saneamento básico clássico: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário e coleta, disposição e tratamento de resíduos sólidos.

Com o tempo, a escala dos problemas e preocupações foram se ampliando e incorporando outros objetos e áreas de pesquisa, como poluição atmosférica, poluição eletromagnética, poluição por agrotóxicos, e diversificando seu enfoque para questões relacionadas a aspectos sociais e desigualdades socioeconômicas, diferenças culturais e de hábitos de vida e aspectos mais amplos, como mudanças climáticas globais e guerras.

Em resumo, OMS define saúde como “um estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença”, o que da a dimensão e amplitude do conceito, evidenciando a impossibilidade de se dissociar saúde do contexto ambiental mais amplo.


Blog Cidadãos do Mundo –  jornalista Sucena Shkrada Resk – 
Por favor, cite quais são os desafios nesta área.

Aristides Almeida Rocha: Nesse contexto é de se lembrar que o grande responsável pelo surgimento de áreas degradadas, de processos de poluição e contaminação, é o próprio ser humano, que nem sempre age com um escrúpulo ecológico. Alguns projetos apresentam dimensão faraônica, e a escala e dimensão da intervenção ambiental em muito concorrem para a modificação, às vezes, irreversível dos ecossistemas. Assim são exemplos; enormes usinas hidrelétricas, com suas barragens; portentosas usinas nucleares; grandes cidades e seus lançamentos de esgotos sanitários ou de complexos industriais emitindo resíduos líquidos industriais, despejando resíduos sólidos e expelindo resíduos de fumaça e gasosos à atmosfera.

O Brasil é pródigo nesses óbices, pois demorou quase um século para se instrumentalizar tecnicamente e criar um arcabouço legal para dar suporte às decisões coercitivas. Lento também foi o processo de estabelecimento de um modelo de sistema de gestão ambiental responsável por políticas públicas no setor. Há também o fato de que a sociedade civil somente começa a se conscientizar há cerca, talvez de apenas 30 anos, com o advento das ONGs, exercendo seu papel de pressão e fiscalização.


Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk –
 E agora, os avanços.

Aristides Almeida Rocha: Contudo, desde a década dos anos 1960, do século XX, houve um avanço, sendo muita coisa construída e realizada, se bem que de modo relativamente lento. É preciso lembrar que com o advento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), e as entidades estatais de controle da poluição em praticamente todos os Estados, houve uma sensível contribuição à melhoria do saneamento no Brasil. A propósito, sempre se poderá argumentar de que não está bom, mas para quem milita na área há mais de 30 anos, é possível dizer; poderia estar bem pior. Ainda há muito que ser feito, sem dúvida, mas atualmente existem instrumentos legais que permitem em casos agudos uma intervenção coercitiva e corretiva. Para tanto são exemplos as recentes mobilizações para um novo enquadramento da qualidade dos corpos d`água, suprimindo a Classe IV; os esforços para erradicação do lixões; as medidas de restrição da emissão de poluentes para salvaguardar a qualidade do ar; a criação de áreas de proteção de mananciais e tantas outras medidas que há alguns anos eram impensáveis.


Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk:
 Quais são as principais implicações da ausência de coleta e tratamento de esgotamento sanitário do ponto de vista de saúde ambiental?

Aristides Almeida Rocha: Os sistemas de esgotos sanitários (rede coletora, coletores – tronco, interceptores, emissários e estação de tratamento) têm por objetivo remover os contaminantes, buscando garantir que seu lançamento no corpo receptor não afetará os processos que determinam a qualidade das águas, a vida aquática e os usos previstos para ele a jusante. Porém, determinar de quanto e quais substâncias devem ser removidas por um sistema de tratamento, para garantir a proteção ao meio ambiente, constitui um problema complexo. Dependerá de qual é a natureza do esgoto sanitário a ser tratado; de qual o grau de segurança sanitária se deseja obter; e do montante de recursos disponível para essa operação.

Em 2000 estimou-se, que apenas 10% da população brasileira urbana tinham seus esgotos tratados; desde então esse quadro pouco se modificou (segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad, no universo de estimado de 65,1 milhões de domicílios em 2013, 58,16 % tem rede coletora de esgoto, que não significa tratamento). Contudo, é preciso dizer que isso se deve a problemas de ordem política e econômica, não havendo empecilhos tecnológicos. Enfaticamente afirmo que é uma questão de prioridades de governo. Talvez seja mais visível ao desavisado cidadão, alocar recursos na construção de um estádio de futebol particular, do que soterrar alguns milhões de reais (e não bilhões), no assentamento de tubulações e edificação de uma simples estação de tratamento de esgotos.

Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk: Quais são as principais doenças de veiculação hídrica, devido ao não tratamento do esgotamento sanitário?

Aristides Almeida Rocha:  A falta do tratamento pode trazer inúmeras consequências à saúde da população. Inúmeras doenças são relacionadas às águas in natura, brutas ou que recebem esgotos sanitários. Em 1995, em “Ciências do Ambiente, Saneamento, Saúde Pública” publiquei uma tabela que adaptei de D. J. Bradley, dimensionando a natureza do problema:

Entre as doenças associadas às águas brutas ou que recebem resíduos (direta ou indiretamente), estão: Ancilostomose, Cólera, Conjuntivite, Dengue, Disenteria, Escabiose, Esquistossomose, febres Paratifoide, Tifóide, Hepatite infecciosa, Leishmaniose, Leptospirose, Malária, Meningite Asséptica, Oncocercose, Tracoma e Verme da Guiné.

Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk: Pode citar alguns casos importantes ocorridos no mundo?

Aristides Almeida Rocha:  O cólera é a primeira doença em que se evidenciou a veiculação hídrica e as vantagens do tratamento da água. Esse fato ocorreu em Londres, 1854. Muitos casos no mundo ocorreram entre 1817 a 1923. Foram 6 pandemias no mundo, isto é, muitos países atingidos de uma só vez. Em 1950 e 1954 na Índia dizimou 10.215.000 pessoas.

Em Portugal, 1974, 2.000 casos com 36 óbitos. Em 1855 chegou ao Brasil, mas foi erradicada, ressurgindo em 1991 vinda do Peru, mas foi rapidamente debelada. A profilaxia adotada foi com soro citopatológico 1, tetraciclina e vacina que protege por 3 a 6 meses.

Em Nova Delhi, na Índia, em 1955, houve epidemia de Hepatite ou Icterícia Infecciosa,  devido à água poluída. Foram registrados 40.000 casos. No mesmo ano, em Gotemburg, 119 casos devido à ingestão de ostras contaminadas, 119 casos. A profilaxia se deu por meio de aplicação de cloro, em doses recomendadas.

No ano de 1973, houve surtos em Santos e na Praia Grande, de Poliomielite, Doença de Heine-Medin- Vírus I, II, III, devido à areia contaminada. A profilaxia foi saneamento, super-cloração, educação sanitária e vacinação.

Blog Cidadãos do Mundo- jornalista Sucena Shkrada Resk: Um sistema hídrico avaliado como morto (sem oxigênio) pode ser recuperado, e como isso pode ocorrer e qual a importância para o ecossistema de uma região?

Aristides Almeida Rocha: Indubitavelmente um sistema hídrico sem oxigênio poderá ser recuperado, existindo técnicas disponíveis para tanto. No entanto é preciso dizer que tudo dependerá da alocação de recursos e da motivação daqueles que detêm o poder decisório. Haverá sempre a necessidade de se efetuar uma análise de custo-benefício para saber da importância da recuperação para aquela determinada população.

Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk: E no caso do Tietê, por exemplo?

Aristides Almeida Rocha: Quando me perguntam se é importante continuar a investir na recuperação do Rio Tietê, na capital paulista, sempre respondo enfaticamente que sim. A importância desse rio não está somente na necessidade hoje de se utilizar essa água para abastecimento, ou eventualmente do seu reuso para fins menos nobres, mas repousa sobretudo na importância que tem esse rio para a própria paisagem da cidade, do seu contexto histórico, enfim como um verdadeiro “land mark” da metrópole.

Então, definidos os usos e as prioridades deve-se então escolher a melhor técnica para a recuperação do corpo d`água determinado.

Enfim para um sistema hídrico avaliado como morto, há várias possibilidades de ação:

-Retirada Seletiva de Massa D´Água- Método dos mais antigos e pouco dispendioso, consiste na retirada de água do hipolímnio (água da camada mais profunda) utilizando mangueiras (princípio dos vasos comunicantes); muitos lagos austríacos de pequena dimensão foram assim recuperados.

-Aeração- Introdução de ar utilizando bombas de compressão no hipolímnio ou quando não há estratificação da temperatura, se o corpo hídrico for raso, pode-se difundir o ar em toda a coluna de água. Esse método foi utilizado na Universidade de Lund, Suécia e também em projeto que trabalhei no Lago do Ibirapuera em São Paulo.

Retirada do Sedimento por Sucção- Aplica-se Sulfato de Alumínio para precipitar o fósforo e em seguida procede-se à dragagem. Emora caro, o método foi também utilizado em pequenos lagos da Suécia.

Descarga Inicial- Nos reservatórios e represas recém construídos pode-se no momento do enchimento providenciar uma rápida descarga da primeira água reservada “lavando” o leito. Esse procedimento, recomendado pelo professor Samuel Murgel Branco e por mim, para um lago de Carajás na Amazônia e em outros empreendimentos que tive a oportunidade de acompanhar, como o Açude Pacoti, Ceará e represa do Flores, Maranhão, mostrou-se bastante benéfico à qualidade das águas reservadas, eliminando a camada profunda de anaerobiose (ausência de oxigênio).

Evidentemente para alguns rios de bacias hidrográficas comprometidas, além dessas e outras técnicas é preciso realmente um plano de construção de Estações de Tratamento de Esgotos, que podem ser de vários tipos (Lodo Ativado, como a de Barueri e outras ao longo do percurso do rio); Filtro Biológico, Valo de Oxidação, Lagoas de Estabilização e outras, que vão depender dos estudos de viabilidade para suas respectivas implantações. Todos estes são métodos e processos que eventualmente podem permitir a recuperação de um sistema degradado ou a sua preservação.

Muito se fala da recuperação do Rio Tâmisa na Inglaterra, lembrando que lá as condições da bacia são completamente diferentes, por exemplo, do nosso Tiête e que o processo  levou cerca de vinte anos para a obtenção dos resultados esperados. Contudo, por aqui penso que precisamos ser otimistas, embora o processo esteja sendo lento, já temos as estações de tratamento de esgotos em funcionamento, precisando-se, claro, a complementação das mesmas para atender às totais vazões de projeto.

Tivemos um programa de limpeza e rebaixamento da calha do rio, o monitoramento da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) e da própria ONG SOS Mata Atlântica, mostrando que a mancha de poluição está gradativamente recuando. Concluindo afirmo que é sempre possível agir para recuperar um sistema hídrico. Depende da atitude de cada um e do estabelecimento de prioridades.

Veja também no Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk:

22/09/2014 – Rio Tietê: um insistente subversivo

 

Rio Tietê: um insistente subversivo

22/09/2014 18:04

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Por Sucena Shkrada Resk

Hoje (22/09) é dia dele, de um dos rios mais ‘subversivos’ e com usos múltiplos brasileiros. Quem vê essa expressão, pode estranhar, mas já vou explicar. O adjetivo se aplica perfeitamente ao rio Tietê, que por aquelas condições que só a natureza explica, segue ao interior e não vai para o mar (apesar de estar distante 22 quilômetros de lá), contrariando o que geralmente acontece com os demais cursos d`água. A sua nascente fica no município de Salesópolis e percorre 1.100 quilômetros até chegar ao rio Paraná, cortando quase ao meio o estado paulista em seu traçado, até Itapura, na divisa com o Mato Grosso do Sul. E ele consegue se superar por causa da resiliência à ação do ser humano, que mudou este traçado, tirou as matas ciliares que o protegiam em vários trechos e que despeja diariamente resíduos e esgoto. Essa série de problemas no contexto da deficiência de políticas públicas de saneamento, em especial, na região metropolitana de São Paulo.

Segundo recente relatório da Fundação SOS Mata Atlântica,  “O Retrato da Qualidade da Água e a evolução parcial dos indicadores de impacto do Projeto Tietê”, iniciado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, em 1992”, o trecho considerado “morto” do rio Tietê foi reduzido em 70,7%, em quatro anos. Agora está concentrado entre os municípios de Guarulhos e Pirapora do Bom Jesus, totalizando 71 quilômetros, nos quais, os índices ainda variam de ruim a péssimo. No ano de 1993, a extensão comprometida era de 530 km.

Segundo Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da ONG, a mudança ocorreu nos últimos quatro anos e foi monitorada por grupo de voluntários em 82 pontos (sendo 11 trechos novos), entre setembro de 2013 e setembro de 2014. Entre os pontos mais críticos (avaliados como péssimos), estão nos rios Caputera (Arujá), Cotia (Cotia) e Tietê, na altura da USP Leste. “Os pontos de qualidade boa ficam próximos a área protegidas”, destacou.

Os trechos que obtiveram categoria “boa” foram: do rio Tietê (Biritiba Mirim), Ribeirão Tanquinho (Botucatu), Ribeirão e córrego Cabreúva (no município de mesmo nome), córrego São José (Itu), rio Piray (Salto), rio Tietê (Salesópolis), rios Capivari e Embu-Guaçu (São Paulo) e Córrego Água Preta, no bairro da Pompeia, na capital.

A Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental de São Paulo (CETESB), divulgou em maio deste ano, que a qualidade das águas ainda são precárias em 11 dos 23 pontos de monitoramento em toda a extensão do rio, entre Suzano e Laranjal. 

Para entender a dinâmica do Tietê, é preciso se ter em mente que esse curso d´água sofre a pressão antrópica há décadas, de cerca de 70 municípios. As suas águas recebem carga de afluentes de diferentes bacias hidrográficas: Alto Tietê (localização da Região Metropolitana de São Paulo); Piracicaba; Sorocaba/Médio Tietê; Tietê/Jacaré; Tietê/Batalha e Baixo Tietê. No trecho metropolitano, é que as condições mais precárias permanecem historicamente, desde a década de 20,  por causa do despejo de esgotos domésticos e industriais. Uma questão de saneamento ainda a ser superada no estado mais rico do país.

De acordo com a Sabesp, o Projeto Tietê deverá concluir a terceira fase, até 2015. Deverão ser construídos até o término deste período, 580 quilômetros de coletores e receptores, além de 1,2 mil quilômetros de redes coletoras e 200 mil ligações domiciliares. A expectativa, de acordo com a empresa é que haja um total de 87% de esgoto coletado e 84% destes sejam tratados, numa dimensão populacional de 20,1 milhões de habitantes. A universalização é prevista para o ano de 2018.

Ao mesmo tempo, parte deste rio com a união com o Paraná forma o segundo corredor mais extenso de hidrovias no país, com 1,7 mil quilômetros navegáveis (sendo 573 quilômetros no Tietê, a partir de Conchas), que ligam Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás.  No trecho paulista, há seis barragens, todas com eclusas, possibilitando a navegação (Três Irmãos, Nova Avanhandava, Promissão, Ibitinga, Bariri, e Barra Bonita). A ligação com o Rio Paraná acontece por meio do canal Pereira Barreto, e com o aproveitamento da barragem de Ilha Solteira.

No ano de 2013, foram transportados cerca de 6 milhões de toneladas por toda a extensão da via. O quadro, neste ano, no entanto, não é tão animador por causa da forte estiagem. A situação também reflete no potencial hidrelétrico. O nível do reservatório da Usina Hidrelétrica de Três Irmãos chegou a ficar com o volume mais baixo no Brasil. As condições em Ilha Solteira também não são das melhores. O Tietê subversivo, neste caso, está com dificuldade de permanecer tanto tempo resiliente. 

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Especial – Desenvolvimento Sustentável (Parte 4): caminhada pelo clima, sociedade quer ser ouvida

22/09/2014 10:27

Crédito das fotos: Sucena Shkrada Resk 

Crédito da foto: Sucena Shkrada Resk

Por Sucena Shkrada Resk

As pessoas foram chegando pouco a pouco e por volta das 15h do domingo, lá estavam cerca de 50 brasileiros e estrangeiros, entre crianças e adultos, que se deslocaram de diferentes pontos da Grande São Paulo, até o vão do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateubriand (MASP) para participar da  Caminhada pelo Clima (People`s Climate March), promovida pela Avaaz, em uma convocação global, que mobilizou cidadãos em  2.650 eventos em diferentes partes do mundo. Seguiram pela avenida Paulista e rua Augusta até a Praça Roosevelt, onde lá formaram um coração, que simboliza um ato de sensibilização, que deverá chegar ao conhecimento dos negociadores globais. O que levou essa gente para lá foi a necessidade de se fazer ouvir pelos governantes e porta-vozes oficiais que participarão da Cúpula de Chefes de Estado sobre Clima, no próximo dia 23, e da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP20), em Lima, no Peru, de 1 a 12 de dezembro.

A jornalista Grazzi Massonetto, que se voluntariou para ser facilitadora do evento, conta que foi impulsionada a fazer a manifestação ‘pacífica’na rua, por seu interesse de incentivar também a reflexão sobre a importância das mudanças de hábitos de cada cidadão no dia a dia, como forma de contribuição ao equilíbrio climático.

Crédito da foto: Sucena Shkrada Resk
Marie (de vermelho) e Paulo (de casaco preto)

No outro lado do mundo, especificamente em Londres, a gestora ambiental Carolina Menna, 32 anos, teve grande parte de responsabilidade, em fazer com que seus pais Paulo, 61, Marie Helene, 62, participassem da caminhada. “Ela é uma ativista das causas socioambientais e foi estudar fora para se aprimorar no campo da educação ambiental para a infância”, diz seu pai, com orgulho. O engenheiro de formação e profissional do mercado financeiro aposentado revela que, desde a sua juventude, já se preocupava também em exercitar seu papel como cidadão.

“Disponibilizava saquinhos no carro para que nada fosse jogado na rua…Hoje o que mais me preocupa é que nossos netos não tenham água e alimentos e estou aqui por causa disso”.

Crédito da foto: Sucena Shkrada Resk

E é justamente a pequena Letizia, 8 anos, filha dos escultores Priscila Ripoli, 36, e Ernesto Gerrard, 60, que poderia ser hipoteticamente ‘neta’ de Paulo e Marie, que no meio desses adultos, se destacou durante a caminhada. Com um cartaz feito em cartolina, desenhou e escreveu o que queria expressar. Lá estava um globo terrestre pedindo ajuda, seguido dos níveis do Sistema Cantareira caindo, um problema vivenciado de perto pela criança, e ao lado, uma torneira no conta gotas. Perguntei a ela o que queria dizer?  E respondeu: “Criei o cartaz para ver se as pessoas arregalam os olhos e cuidam do mundo”.

A menina ainda afirmou que tentava fazer sua parte, com orientações de seus pais. “Quando vou tomar banho, só canto duas músicas (querendo dizer que diminuiu bem o tempo) e para escovar os dentes, coloco uma vez só a água num copo, para não ficar com a torneira aberta”.

Hoje e no próximo dia 25, será a vez desses e outros milhares de cidadãos no mundo reforçarem ou levarem pela primeira vez seus recados para encontrarem eco nas decisões dos países quanto à redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs). A cobrança se dá porque a ciência constata que o modelo de desenvolvimento introduzido pelo próprio ser humano está acelerando o desequilíbrio. Desta vez, a mobilização está sob a coordenação do movimento Marcha Mundial do Clima e deve acontecer em 100 países.

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Especial – Desenvolvimento Sustentável (parte 3): de olho na justiça climática

16/09/2014 16:21

Por Sucena Shkrada Resk

As mudanças climáticas há muitas décadas deixaram de ser objeto de ‘análise’ somente circunscrito ao universo de grupo de cientistas ou especialistas e são refletidas, de forma concreta, na realidade de cada um de nós e em especial, na situação vivenciada pelos refugiados climáticos. São eventos extremos, desequilíbrio e destruição de ecossistemas, de fontes para a segurança alimentar, doenças decorrentes da poluição e de fundo hídrico, que se somam neste processo acelerado a partir da Revolução Industrial, no século XVIII. É neste contexto, que estão programadas mobilizações da sociedade civil pelo mundo, neste mês, cobrando comprometimento e ação por parte dos governos dos países que participarão da Cúpula de Chefes de Estado sobre Clima, no próximo dia 23, e na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP20), em Lima, no Peru, de 1 a 12 de dezembro.

As COPs ocorrem anualmente e são palco até hoje de dificuldades de negociação pautadas no conflito de interesses, que envolvem modelo de desenvolvimento e matriz energética calcada ainda em combustíveis fósseis. O que se discute é o teor das ações dos países pobres, em desenvolvimento e ricos para redução das emissões e financiamento à adaptação e redução de danos aos mais vulneráveis. O Protocolo de Kyoto foi prorrogado até 2020. Agora, o mais desafiador é que todas as nações acordem metas vinculantes após este período, ou seja, que se comprometam a cumprir. Esses detalhes deverão ser lapidados até o ano que vem, na COP21, em Paris.

O nível de carbono na atmosfera considerado seguro à saúde é de até 350 partes por milhão, mas a atual situação excede 400 partes por milhão. O 5º Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, produzido por centenas de cientistas de todo mundo dá um tipo de ultimato. Do jeito que está a condução do modelo de desenvolvimento no mundo, a temperatura média do planeta superará os dois graus Celsius, ainda neste século, podendo chegar a cenários extremos de cinco graus. Isso representa um grave comprometimento para a qualidade de vida na Terra.

Segundo o documento, no caso do Brasil, por exemplo, estudos de mudança do uso da terra no sul da Amazônia brasileira, nas últimas décadas, demonstram que houve impacto sobre a resposta hidrológica. Há um tempo defasado em escalas maiores para a ocorrência de precipitações. A savanização é um dos possíveis cenários nesta região, como a seca extrema no Nordeste.

Segundo Roberto Lenox, coordenador nacional da ONG SOS Clima Terra e um dos coordenadores da Marcha Mundial do Clima, que acontece, neste mês, em cerca de 100 países (incluindo o Brasil), a tendência até 2020 é que existam mais de 300 mi refugiados ambientais pelo mundo, sendo que em 2009, eram cerca de 15 mi. Ele alerta que muitos destes deslocamentos ocorrem nas áreas internas dos próprios países. A projeção da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) é que até 2050, pode chegar a 1 bi de pessoas nesta situação. 

Uma das principais cobranças, de acordo com o ativista, além de investimento de tecnologias mais limpas, é que se efetive na prática o Fundo do Clima. A iniciativa no âmbito da ONU, que tem em seu conselho consultivo 24 representantes de países em desenvolvimento e desenvolvidos, foi criada em 2010, para auxiliar os países vulneráveis. O dispositivo foi definido para mobilizar R$ 100 bilhões anuais até 2020, provenientes das nações mais desenvolvidas, entretanto, até agora depende da entrada de recursos e definições da operacionalização.

Mais uma organização internacional que está programando uma série de mobilizações é a 350.org.

Brasil no cenário internacional

China, seguida dos EUA, lideram o ranking das nações que mais emitem Gases de Efeito Estufa (GEEs) no mundo. O Brasil figura entre os sete maiores emissores no planeta.

Segundo o Balanço Energético Nacional 2014, produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o total de emissões antrópicas (proveniente da ação humana) em 2013 associadas à matriz energética brasileira atingiu 459 milhões de toneladas de CO2-eq, sendo a maior parte (215,3 Mt CO2-eq) gerada no setor de transportes. Gás natural, petróleo e derivados representaram 80% do crescimento da oferta interna de energia no país.

Já a repartição interna de energia ficou dividida da seguinte forma:
– Energias renováveis (41%): biomassa da cana (16,1%); hidráulica (12,5%); lenha e carvão vegetal (8,3%) e lixívia, eólica, solar, entre outras (4,2%)

– Não renováveis (59%): petróleo e derivados (39%)/ gás natural (12,8); carvão mineral (5,6%); urânio (1,3%).

Quanto ao uso e ocupação do solo, o desmatamento na Amazônia, que vinha em curva descendente nos últimos anos, o que em tese já significava o cumprimento do que o Brasil havia se comprometido internacionalmente e pela Política Nacional sobre Mudança do Clima de 2009 (atingir uma redução de 36,1% a 38.9% nas emissões de gás do efeito estufa projetadas para 2020), sinaliza mudanças. Isso ocorre com o anúncio de aumento de 29% entre 2012 e 2013, segundo análises do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).  As principais fontes de CO2eq (equivalente) no país até agora são o desmatamento da Amazônia, que chegou a representar 70% nos anos 90 caindo para 32% em 2012, se equiparando aos setores de energia e agropecuária, com 30% cada.

Mais um elemento ainda polêmico que figura no cenário das emissões de GEES, se refere aos possíveis efeitos ambientais da extração da camada do Pré-Sal (campos petrolíferos localizados entre 5000 e 7000 metros abaixo do nível do mar, que se estendem por aproximadamente 800 quilômetros ao longo do litoral brasileiro, entre o Espírito Santo e Santa Catarina), operada pela Petrobras.

Para os que defendem a exploração, o argumento de fundo econômico envolve a projeção  de investimentos bilionários, que ao mesmo tempo daria o retorno com injeção de recursos  na casa de trilhões provenientes do empreendimento na economia brasileira ao longo das próximas décadas. Um Fundo Social foi criado (mas ainda não regulamentado) para repasse de 50% do que for recebido pela União (partilha de produção e royalties),  para as áreas de Educação (75%) e Saúde (25% dessa parcela) no país. No tocante a recursos também para a compensação de danos ambientais não há informações precisas a respeito.

No aspecto ambiental, segundo relatório da ONG Greenpeace, por exemplo, as reservas estimadas da camada de Pré-Sal são equivalentes a 80 bilhões de barris de petróleo. A queima desse óleo representaria a emissão de 35 bilhões de toneladas de gás carbônico por 40 anos. Mais um questionamento recente, veiculado na mídia, exposto por biólogos é quanto à cobrança de planos eficientes de monitoramentos de impactos ambientais e o alerta sobre os possíveis comprometimentos à biodiversidade costeira. Documento foi encaminhado à Procuradoria da República do estado do RJ, em junho deste ano.

O Observatório do Clima (OC) e o Grupo de Trabalho sobre Clima (GT Clima) do Fórum Brasileiro de Organizações Não-Governamentais e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) encaminharam um ofício à presidente Dilma Rousseff, solicitando maior empenho do Brasil para a redução das emissões do país, além do envolvimento mais amplo da sociedade civil nas discussões. 

No documento Análise  do Panorama Atual das Emissões Brasileiras – Tendências e Desafios, o OC avalia sinais de aumento e apresenta dados  do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que revelam que o Brasil reduziu os investimentos no setor de energias limpas e renováveis de  US$12 bilhões em 2008, para US$ 3 bilhões em 2013.

Agenda dos ODS

Na discussão dos chamados Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), em tramitação, na agenda da ONU Pós-2015, o clima tem importância crucial entre 17 metas preliminares, e está interligado com outras demandas de produção e consumo responsável, energia, biodiversidade e oceanos.

Segundo documento sobre ‘elementos orientadores’ da posição brasileira nas negociações da Agenda de desenvolvimento Pós-2015,  o país de forma genérica se posiciona favorável às metas direcionadas a uma economia de baixo carbono, com incentivo à energia limpa, e no reforço à resiliência e adaptação das comunidades mais vulneráveis. Concorda que até 2030 seja dobrada a participação de energias renováveis na matriz energética mundial, mas ao mesmo tempo, também concorda que se elimine subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis, assegurando tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento.

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*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk 

(atualizado em 16/09/2014, às 17h54)


ESPECIAL – DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (PARTE 2): OS DESAFIOS DOS ODM AOS ODS NO BRASIL

15/09/2014 15:58

Por Sucena Shkrada Resk

Atingir os vários ângulos que representam o conjunto do desenvolvimento sustentável, na prática, é uma meta contínua a ser alcançada, quando nos deparamos com a realidade da tentativa da universalização de direitos. Os diferentes ‘Brasis’ no Brasil são uma prova disso.

Um dos exemplos se refere ao próprio cumprimento dos oito Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODMs), diretrizes acordadas no âmbito das Nações Unidas por 189 países para serem adotadas em países em desenvolvimento, desde o ano de 2000, com parâmetros de 1990 até 2015.
O que se observa com as divulgações de resultados preliminares é que se não houver ‘políticas de Estado’, independente de gestões, partidos ou coalizões vigentes, que repercutam nas políticas públicas locais, as supostas conquistas não serão efetivas. Afinal, trata-se de 5.570 municípios.

Quando se faz o recorte das desigualdades regionalmente, as  metas hipoteticamente atingidas pelo país, de acordo com os percentuais propostos, ao mesmo tempo revelam que os paradoxos continuam. As reduções com relação à fome e miséria, à mortalidade infantil, em casos de malária, AIDS, entre outras doenças, como a melhoria nas condições de vida e meio ambiente, com certeza, são avanços importantes, numa leitura macro. Acontece que ainda milhares de pessoas não foram contempladas por esses benefícios e as discrepâncias prevalecem em regiões historicamente mais pobres e vulneráveis brasileiras. As ‘nuvens’ de percentuais gerais mascaram isso. 

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a extrema pobreza atingia em 1992, um total de 19,1 milhões de pessoas; em 2002 (14,9 milhões) e em 2012 (6,5 milhões). Entende-se que nesta situação esses cidadãos (ãs) tinham até 2011, renda até R$ 70 e para os demais anos, esse valor foi corrigido pela inflação. Num horizonte de longo prazo, a permanência ou não nessas condições não dependem somente de programas sociais, mas da real inserção dessas pessoas no mercado de trabalho, que consequentemente gera autonomia das mesmas para a conquista de rendimento digno. Isso é dependente também da educação de boa qualidade, da capacitação profissional e do direito permanente ao atendimento de qualidade à saúde. 

O que já é constatado pelo governo federal, por exemplo, é que o país não conseguirá alcançar até o ano que vem a diretriz de melhorar a saúde materna, que faz parte dos oito ODMs. A meta é reduzir a mortalidade materna em 35/100 mil nascidos vivos até 2015 comparativamente a 1990,  além de deter o crescimento da mortalidade por câncer de mama e de colo de útero. Hoje a mortalidade está na casa dos 64, segundo Dorian Vaz, representante do governo federal, em evento sobre os ODM Brasil, realizado em São Paulo, no mês de agosto. Essas mulheres morrem em decorrência de hipertensão gestacional, hemorragia, aborto e infecção pós-parto, entre outras causas.

No caso da mortalidade infantil,  a meta no Brasil foi atingida. O índice, que era de 53,7 mortes por mil nascidos vivos em 1990, passou para 17,7 em 2011. Esses dados constam no 5º Relatório Nacional de Acompanhamento do governo federal. A redução é positiva mas esse dado revela que há muito trabalho ainda a fazer, pois crianças continuam morrendo e em grande parte esse quadro se repete nos estados mais pobres.

Um dos pontos mais complexos no objetivo da Sustentabilidade Ambiental é quanto à coleta de esgotamento sanitário (e consequentemente tratamento), que faz parte da infraestrutura básica. Por aqui, os serviços chegam a 61,40% da população nas 100 maiores cidades, e a 48,1% no país, segundo levantamento da organização não governamental Trata Brasil, baseado em índices oficiais. 

Como, então,  fazer com que as melhorias sejam implementadas efetivamente em todos os municípios brasileiros? Eis o desafio, que ainda não foi vencido e também tem a ver com o combate à corrupção, controle orçamentário e falta de preparo técnico para a elaboração de projetos. Os esforços que têm sido desenvolvidos até agora para monitoramento dos ODM envolvem além do poder público, a mobilização da sociedade civil, de forma voluntária. Pode-se dizer que o esforço é hercúleo e as iniciativas do ODM têm sido acompanhadas, dentro do que se é possível, em 189 núcleos municipais, que foram criados no país. Geralmente nestas cidades há algum tipo de mobilização da Agenda 21 (que foi proposta a partir da ECO 92). Um dos núcleos mais recentes foi criado no município de São Paulo, no mês passado.

Os ODS entram na pauta

Com o prazo da implementação dos ODM expirando, no campo da geopolítica internacional já estão sendo acordados outros objetivos, que nesse caso, deverão contemplar os 193 países-membros do Sistema ONU. Desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada no Rio de Janeiro, em 2012, o que se discute são os parâmetros dos chamados Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a serem adotados pós-2015. Chegou-se a um rascunho com 17 metas gerais (que ainda podem ser modificadas até o ano que vem) e o Brasil produziu um documento com suas metas nacionais.

O documento é  um pouco mais extenso e foi divulgado, na semana passada. Traz como novidade a introdução da pauta da desigualdade como um dos pontos a agir, resultado de uma demanda de pressão da própria sociedade brasileira, como destacado por André Calixtre, da secretaria-geral da Presidência da República, durante o Seminário ‘Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável: o que está em jogo nestas negociações? Análise e estratégias da sociedade civil”. O evento foi realizado, no último dia 10, em São Paulo. O conteúdo da posição brasileira quanto aos ODS teve a participação dos 27 ministérios, de acordo com o diplomata Mario Mottin. 

Representantes da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) avaliam, de forma geral, que a abertura para a participação da sociedade no processo é pequena e reivindicam maior espaço na delegação brasileira, no acompanhamento e reivindicação nas negociações, como destacado pela jornalista Alessandra Nilo, da ONG Gestos, que acompanha as negociações.

“Ainda há um baixíssimo nível de aderência tanto aos ODM quanto aos ODS. Não foram agendas internalizadas”, considera Sérgio Haddad, da Ação Educativa. Victor Baldino, representante do Engajamundo (movimento de jovens brasileiros), acrescenta que a demandas dos jovens é que tenham participação transversal em todas as metas.

Alessandra Nilo avalia que apesar de haver a crítica à agenda reducionista e genérica (diante aos problemas planetários) nos ODS, a introdução da preocupação quanto à desigualdade, é um avanço. “Um dos temas mais difíceis de conciliação é quanto ao ciclo reprodutivo das mulheres e às populações LGBT, entre outras e do financiamento para a implementação dos objetivos”. Ela cita que questões culturais e religiosas de muitos países são algumas das causas que geram conflitos.

O especialista em Mudanças Climáticas, o engenheiro Rubens Born, ressalta que os documentos internacional e nacional acabam em vários pontos sendo uma repetição de documentos e tratados  já existentes (não implementados), sem ir além. Parte do complicador em negociações anteriores no âmbito das conferências de meio ambiente (como a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável -Rio+10, em Johannesburgo, em 2010), segundo ele, esbarra na questão energética, na manutenção da adoção de combustíveis fósseis.  A antropóloga e mestra e Ciência Política Iara Pietricovsky, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), analisa que justamente as mudanças climáticas que forçosamente irão trazer à tona os efeitos da inação dessa agenda internacional e nacional. Ela defende que a pressão social nas ruas ainda é o melhor caminho para superar a falta de avanço na agenda de desenvolvimento.

De acordo com o engenheiro agrônomo Odilon Luís Faccio, secretário-executivo adjunto do Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade, é importante destacar que entre 1990 e 2012, a diferença de renda dos 20% mais pobres com os 20% mais ricos era de 30 vezes e agora está ainda num patamar alto de 17%.  O mais gritante é que esse grupo dos 20% mais ricos controlam 57,1% da renda nacional.

Apesar de o texto, de forma geral, ter metas razoavelmente lógicas e que ninguém iria questionar os propósitos, em alguns pontos, também traz alguns pontos controversos da política de desenvolvimento adotada no país, em minha análise, no que tange ao aspecto socioambiental. Ao mesmo tempo, que defende o investimento em energia limpa e renovável, não abre mão dos combustíveis fósseis, tendo como principal iniciativa de pano de fundo, a extração em curso da camada do Pré-Sal.

Neste sentido, no item Energia, que teve a contribuição do Ministério de Minas e Energia (MME), segundo Mottin, o documento brasileiro dos ODS tem a seguinte menção: “eliminar subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis, assegurando tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento. Em outro ponto, já incentiva a redução ao colocar a meta: “promover a substituição dos combustíveis fósseis consumidos no transporte público por alternativas renováveis” … como também na proporção de veículos automotores movidos exclusivamente por essa fonte.

Segundo especialistas na área socioambiental, entretanto, para a redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs), não só os esforços para a diminuição do desmatamento – em especial na Amazônia – são suficientes. Sendo assim, esse é um dos aspectos ainda discutíveis na posição do país, como as brechas abertas à conservação com o novo texto do Código Florestal brasileiro, aprovado em 2010, e que está em fase de implementação.

Como meio de implementação de todas as ações dos ODS, o governo brasileiro defende uma posição já estabelecida internacionalmente, de que seja assegurado que os países desenvolvidos implementem seus compromissos em termos de Ajuda Oficial ao Desenvolvimento, 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que de 0,15 a 0,20% seriam destinados aos países de menor desenvolvimento relativo. Essa decisão, no entanto, não é de hoje e já tramita há anos no Sistema ONU e poucos nações fizeram a contribuição. A maior parte integra o bloco dos países nórdicos.

Todos esses elementos reforçam a necessidade da geopolítica internacional não ser um fórum tão fechado que não chega ao conhecimento de grande parte da população dos países, que são atingidos pelas decisões tomadas nessa esfera multilateral e fazem parte crucial no modelo de consumo e exercício de cidadania. E segue a provocação – sendo assim, como nós, da sociedade civil, iremos acompanhar e cobrar a implementação, para que haja resultados consistentes do que já foi firmado em tratados há anos e que não deu certo e faz parte da Agenda dos ODS, que está sendo formulada?

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12/09/2014 – Especial Desenvolvimento Sustentável – Como sair do ciclo dos gabinetes? 

29/08/2014 – Alerta vermelho ao estado de conservação da biodiversidade costeira e marinha brasileira   

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14/06/12 – Rio+20/CúpuladosPovos: o presente e futuro que fazemos
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22/03/12 – Nota: EIMA8 lança informe rumo à Rio+20
22/03/12 – Campanha A Água e a Segurança Alimentar
22/03/12 – Sustentabilidade: Gro Brundtland no Brasil
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13/03/12 – Nota: expectativas oficiais sobre a Rio+20
11/03/12 – Nota: como participar do processo da Cúpula dos Povos?
10/03/12 – Refugiados climáticos: do alerta ao fato
04/03/12 – Pensata – Rio+20: agora é a vez do como
02/03/12 – A importância da discussão da água na Rio+20
27/12/11 – As teias que ligam a COP17 com a Rio+20
Entre outras, desde 05/12/10. 

* Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk


Especial – Desenvolvimento Sustentável: como sair do círculo dos gabinetes?

12/09/2014 12:18

Por Sucena Shkrada Resk

O tempo passa e já faz dois anos que ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), no Rio de Janeiro, quando surgiu a tarefa de as nações estabelecerem consensualmente as metas dos chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que deverão representar as diretrizes de prioridades das políticas públicas governamentais após 2015, com um horizonte de 15 anos, de caráter não vinculante. Agora, após um ano e meio de discussões, 193 países chegaram a um rascunho composto por 17 itens gerais (com quase 170 subitens) que reiteram a constatação de gargalos e abismos que existem no mundo, que envolvem conjuntamente aspectos ambientais, sociais, econômicos e culturais, entre outros.  A pergunta latente que permanece: como fazer diferente para mudar esse quadro de pobreza e desigualdade que se perpetua há décadas, se todas as regras continuarão fundamentadas na ordem do sistema capitalista?

Mais de 1,2 bilhão de pessoas ‘sobrevivem’ com  US$ 1,25 ou menos por dia, num mundo com mais de 7 bilhões de pessoas. Mas a situação é muito mais dramática, de acordo com o chamado Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O levantamento aponta que praticamente 1,5 bilhão de pessoas, em 91 países em desenvolvimento, vivem na pobreza, com a sobreposição de privações em saúde, educação e padrão de vida. Ainda mais de 800 milhões de pessoas estão sob o risco de voltar a esse estado ‘caso ocorram contratempos’.

As propostas dos ODS se estabelecem neste contexto e deverão substituir e ser mais amplas do que os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), estabelecidos a partir de 2000, cujo prazo de cumprimento expira em 2015. Isso ocorre, tendo em vista que estes são voltados somente aos países em desenvolvimento, e os ODS serão uma diretriz para todos os países que integram o sistema ONU.

O ‘x’ da questão neste universo da geopolítica internacional até a local, nas cidades, é a implementação. A retórica saindo do círculo dos gabinetes de forma concreta e se incorporando à realidade tão diversa em cada cultura e regime político, que são envoltos de discrepâncias de padrões de desenvolvimento. Uma pergunta que persiste há anos no campo das negociações e crucial nisso tudo é quem ajudará a ‘pagar a conta’ para promover as melhorias quanto à redução de danos e adaptação nas nações mais vulneráveis (em especial, na África Subsaariana, onde estão 33 dos países mais pobres do mundo)?

Pano de fundo

Poucos governos (dos países desenvolvidos) até hoje desembolsaram nesta matemática, acima de 0,7% dos seus Produtos Internos Brutos (PIB) para os ODM, um percentual acordado na esfera da ONU, há décadas. Entre eles, estão os da Dinamarca, Holanda, Suécia e Noruega. Essa dificuldade também ocorre no campo das conferências das mudanças sobre o clima e da diversidade biológica, entre outros, que geram os chamados tratados vinculantes, em que os países se comprometem, por meio de ratificações em suas legislações internas. Fundos são criados mas têm dificuldade prática de se estabelecer, por falta de recursos e normas operacionais dos mesmos.

Um dos mais recentes acordos mundiais que será finalmente estabelecido em outubro, é o Protocolo de Nagoya, na área de conservação da diversidade biológica, com as chamadas Metas de Aichi acordadas desde 2010 (que o Brasil não ratificou até agora).

Na esfera climática, ainda se delineia o que realmente virá com a prorrogação do Protocolo de Kyoto aprovado em 1997 (que compromete os países industrializados a reduzir os gases de efeito estufa), que expirou em 2012 e agora vai até 2020. O acordo foi um grande fracasso, do ponto de vista de cumprimento. Neste novo acordo, houve a diminuição da adesão de países, com 36 países desenvolvidos responsáveis por 15% das emissões mundiais. Não quiseram participar Japão, Rússia, Canadá e Nova Zelândia e os EUA nunca ratificaram. Os que se comprometeram foram: Austrália, Noruega, Suíça, Ucrânia e os integrantes da União Europeia.

Os países que não concordaram com a prorrogação questionam que nações em desenvolvimento como a China (considerada a maior poluidora no mundo), a Índia e o Brasil não integram esse grupo. A próxima Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Clima (COP ) acontece em novembro, no Peru, e ainda é uma incógnita saber o seu desenrolar. O que se sabe é que somente em 2015, está programado um encontro em que serão estabelecidas novas metas de redução GEEs para todos os países. A meta principal é tentar conter a elevação da temperatura da superfície terrestre em 2 graus Celsius, o que cientistas do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas avaliam ser bem difícil, dentro do contexto atual.

Nessa estrutura de financiamento, o que começa a ganhar cada vez mais corpo, é a participação das empresas. Foi criado o Pacto Global. A polêmica instituída é o quanto de influência isso pode ter na gestão pública. Para se discutir mais especificamente essa questão financeira das implementações, está programada uma conferência para julho de 2015, na Etiópia.

A polêmica de fundo, que emperra as negociações há décadas é quanto às responsabilidades comuns, porém diferenciadas, ou seja, como atribuir o papel dos países desenvolvidos, mais pobres e em desenvolvimento. A crise financeira global nos últimos anos tem sido o argumento da maioria dos países. Essa pauta complexa e difusa fará parte da 69ª Assembleia da ONU, que começa dia 24 de setembro, em Nova York, que prossegue até o dia 7 de outubro.

As 17 metas gerais (que podem sofrer modificações e até ser reduzidas) até o ano que vem são tão óbvias e demonstram como há dificuldade dos sistemas de governança locais e global para o cumprimento do que é básico para a qualidade de vida e manutenção do equilíbrio do planeta. Grande parte delas demonstra o peso do meio ambiente e do modelo de consumo atrelado aos demais eixos. Tudo está profundamente interligado.

1 – Acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os lugares
2 – Eliminar com a forme, alcançar a segurança alimentar e melhor nutrição, promovendo a agricultura sustentável
3 – Assegurar vidas saudáveis e promover o bem-estar para todos em todas as idades
4 – Assegurar educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizado por toda a vida para todos
5 – Alcançar a igualdade de gênero e capacitar todas as mulheres e crianças
6 – Assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável de água e saneamento para todos
7 – Assegurar o acesso à energia confiável, sustentável, moderna e a preço acessível para todos
8 – Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego integral e produtivo e trabalho decente para todos
9 – Construir infraestrutura resiliente, promover industrialização inclusiva e sustentável e fomentar inovação
10 – Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles
11 – Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis
12 – Assegurar padrões sustentáveis de consumo e de produção
13 – Adotar ação urgente para combatger a mudança do clima e seus impactos
14 – Conservação e uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável
15 – Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, promover a gestão sustentável de florestas, combater a desertificação, cessar e reverter a degradação da terra e cessar a perda de biodiversidade
16 – Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, oferecer a todos o acesso à justiça e construir instituições efetivas, responsáveis e inclusivas em todos os níveis
17 – Fortalecer os meios de implementação e revigorar a parceria global para o desenvolvimento sustentável

O Brasil, por meio do Itamaraty, programou para hoje o anúncio público de suas metas nacionais. Esse conteúdo será objeto do próximo artigo.

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* Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Recursos hídricos: o exercício de conservação por microbacias

08/09/2014 14:47

Por Sucena Shkrada Resk

A busca por alternativas eficientes para a gestão dos recursos hídricos se torna cada vez mais constante. Uma das alternativas para otimizar esforços e ao mesmo tempo envolver mais de perto a comunidade são gestões focadas nas microbacias hidrográficas. Neste sentido, um projeto que vem ganhando escala, desde 2003, na região sul do país, é o Cultivando Água Boa. A iniciativa está presente em 206 microbacias da Bacia Hidrográfica do Paraná 3, entre os rios Paraná e Iguaçu. No lado paraguaio, envolve a Bacia do rio Carapá y Poti.

Segundo Jair Kotz, superintendente de meio ambiente da Itaipu Binacional, que participa da gestão das atividades, atualmente a recuperação atinge cerca de 30% das áreas dessa região. “As ações envolvem a responsabilidade compartilhada entre terceiro setor, poder público, empresas e sociedade civil. A ideia do cultivo é similar ao solo, com a ética do cuidado”, afirma. Nas atividades, há a participação de mais de dois mil parceiros. Entre as ações desenvolvidas, estão a construção de cercas para a proteção das matas ciliares, plantio de mudas nativas, conservação do solo, destino correto de agrotóxicos e uso de adubos orgânicos. Para que tudo isso seja replicado, um braço importante do programa é a educação ambiental.

Kotz explica que para estimular a cooperação, são utilizadas as competências regionais. Segundo ele, a proposta tem como premissa que a sensibilização para a conservação por parte de todos os atores. Assim os comitês gestores temáticos envolvem também escolas a cooperativas.

A metodologia utilizada tem como fundamento a Carta da Terra e a Agenda 21, entre outros documentos ambientais globais importantes. “Desenvolvemos as chamadas oficinas do futuro. são elaborados muros das lamentações, árvores das esperanças e firmado pactos das águas. É um amplo processo de educação ambiental, em que as pessoas aprendem por meio dos diálogos de saberes, envolvendo toda família”. Como fonte de inspiração, o projeto tem o educador Paulo Freire.

O superintendente de meio ambiente reforça que não pode ser esquecido que as cidades produzem efluentes. “Isso exige que haja um olhar para o que vem de fora, no contexto das bacias hidrográficas, e se aplique também o conceito de pagamento por serviços ambientais (PSA)”.

Nessa escala, o trabalho envolve povos tradicionais, cozinheiras, merendeiras das escolas e catadores de materiais recicláveis. Produção orgânica, pesca artesanal sustentável, cultivo de plantas medicinais e coleta solidária são algumas das atividades desenvolvidas. “A mudança é possível, quando todo mundo fala a mesma linguagem…e assim, há a conservação da mata ciliar, o aumento da produção e o retorno dos corredores de biodiversidade”, avalia Kotz, que foi um dos palestrantes do Seminário Cidades Sustentáveis – O futuro no presente das águas – o desafio de São Paulo, durante a Virada Sustentável, em São Paulo, no dia 28 de agosto, em São Paulo. O evento teve a curadoria da TNC-Brasil.

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02/09/2014 – O Código Florestal e a influência na gestão das águas
20/08/2014 – Cantareira expõe a fragilidade do sistema de abastecimento (Como entender a gestão das águas em SP – parte 1)
18/08/2014 – Qualidade das águas (Como entender a gestão das águas – parte 2)
15/08/2014 – Como entender a gestão das águas, no estado de SP (Parte 1)
14/10/2013 Água: um bem depreciado na sociedade do desperdício
22/03/2013  Água pura…quero ver-te
24/08/2012  Coleta e tratamento de esgoto: como será quando chegarmos a 2050?
07/06/2012  Rumo à Rio+20: o valor oculto da água
23/05/2012  Nota: Saneamento está interligado a outras infraestruturas
23/05/2012  Riomais20 – Como tratará da realidade da África Subsaariana?
19/10/2011  Recursos hídricos: uma pauta para a Rio+20
19/10/2011  Esgoto: o calcanhar de aquiles do Brasil
28/10/2011  Por dentro do saneamento básico
28/10/2011  Trata Brasil estuda projeto de educação para o saneamento
28/07/2011  Atenção às nossas águas

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



ONDE ESTÁ A VULNERABILIDADE SOCIAL NO ESTADO DE SÃO PAULO

04/09/2014 14:09

Por Sucena Shkrada Resk

As generalizações são capazes de esconder os aspectos de vulnerabilidade social do estado mais rico do Brasil: São Paulo. Neste ponto, as pesquisas auxiliam a colocar à tona estas questões, que são cruciais para revelar para a sociedade quais são as pautas que devem ser priorizadas pelos gestores públicos e legislativo. Apesar de não revelarem os rostos, as ânsias e o cotidiano destas pessoas que passam por esta situação, fazem com que as mesmas saiam da invisibilidade, nas entrelinhas desses dados. É uma maneira de pressionar gestões mais comprometidas com a população.

Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) do estado, produzido pela Fundação Seade em parceria com o Instituto do Legislativo Paulista e a Assembleia Legislativa, é uma destas ferramentas. Segundo o levantamento (baseado em dados de 2010), de 60 grupos censitários, 8,8% apresentam alta vulnerabilidade urbana, 4,1%  muito alta (aglomerados subnormais urbanos) e 1,6% representam alta vulnerabilidade rural. Um universo que afeta 6,7 milhões de pessoas.

Nos grandes centros urbanos é onde existe a maior fragilidade. Com essa constatação, se observa que há importantes falhas de planejamento urbano, que envolvem saneamento ambiental, mobilidade, educação, habitação, saúde, geração de renda, como na constituição e implementação de planos diretores realísticos. A Região Metropolitana de São Paulo com 20 milhões de pessoas (onde vivem 50% da população do estado), tem 16,6%  (3,9 milhões) da parcela destes habitantes afetados. E é a capital que concentra 7,5% das pessoas que residem em áreas de alta vulnerabilidade, de acordo com o relatório. Segundo o IBGE, são pelo menos 2,16 milhões de pessoas vivendo nos chamados aglomerados subnormais (favelas), na RMSP. Isso sem contar a população em situação de rua.

Entre as regiões mais críticas, estão as áreas metropolitanas do Vale do Paraíba e Litoral Norte, com 2,2 milhões de habitantes em 2010. Lá foram identificados 5,8% dos setores censitários em situação de baixíssima vulnerabilidade, mas ao mesmo tempo,é a região que possui o maior índice (4,0%) de setores censitários rurais de alta vulnerabilidade. O IPVS teve como fonte de dados o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Pelo Índice Paulista de Responsabilidade social (IPRS), também produzido pela Fundação Seade e parceiros, 98 municípios, com cerca de 2,5 milhões de pessoas, estão classificados como os mais pobres no estado, pelo perfil de riqueza, escolaridade e longevidade. Nas áreas administrativas de São José dos Campos, Sorocaba e Registro, estão 43 deste total.  No aspecto territorial, correspondem às regiões do vale do Ribeira, de Itapeva e de São José. Os últimos no ranking são Barra do Chapéu (645º), Itapirapuã Paulista (644º), Iporanga (643º); Itaóca (642º); Ribeira (641º) e Ribeirão Branco (640º).

Já quando o recorte é feito por meio do Atlas do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Brasileiro (IDHM) 2013, os 20 municípios paulistas com mais baixos desempenhos estão classificados na categoria “médio” numa escala que vai a baixo e muito baixo. O cálculo é feito de zero a 1. Neste caso, foram avaliados os quesitos presentes em 180 indicadores de população, educação, habitação, saúde, trabalho, renda e vulnerabilidade. As informações foram retiradas dos Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010.

Entre eles, estão:

– Ribeirão Branco (0,639)

– Barra do Chapéu (0,660)

– Bom Sucesso de Itararé (0,660)

– Itapirapuã Paulista (0,661)

– Balbinos (0,669)

– Sete Barras (0,673)

– Iaras (0,674)

– Pedra Bela (0,677)

– Itariri (0,677)

– Marabá Paulista (0,677)

– Nazaré Paulista (0,678)

– Quadra (0,678)

– Taquarivaí  (0,679)

– Arapeí (0,680)

– Camitar (0,680)

– Boa Esperança do Sul (0,681)

– São José do Barreiro (0,684)

– Arandu (0,685)

– Serra Azul (0,686)

– Santa Maria da Serra (0,686)
 

Já nas melhores classificações, figuram:

– São Caetano do Sul (0,862)

– Águas de São Pedro (0,854)

– Santos (0,840)

– Jundiaí (0,822)

– Valinhos (0,819)

– Vinhedo (0,817)

– Santo André (0,815)

– Araraquara (0,815)

– Santana do Parnaíba (0,814)

– Ilha Solteira (0,812)

– Americana (0,811)

– São José dos Campos (0,807)

– Presidente Prudente (0,806)

– São Carlos (0,805)

– São Bernando do Campo (0,805)

– São Paulo (0,805)

– Assis (0,805)

– Campinas (0,805)

– Rio Claro (0,803)

– Pirassununga (0,801)

Os aspectos de vulnerabilidade estabelecidos nessa avaliação se referem ao percentual de pessoas em domicílios com abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequados, de pessoas em domicílios com paredes inadequadas e que residem em domicílios vulneráveis à pobreza e dependentes de idosos.

Seja qual for a métrica, o que é possível identificar em todos estes levantamentos, é que a esfera pública tem subsídios suficientes para atuar afim de que haja o desenvolvimento sustentável desses municípios. E mesmo naqueles em que há melhores desempenhos, há grandes abismos a superar internamente. Nenhum está isento da necessidade de políticas públicas de longo prazo.

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*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk

(Atualização em 05/09/14, às 8h35)


José Pacheco fala da importância dos educadores no Brasil

03/09/2014 19:44

crédito da foto: Sucena Shkrada Resk

José Pacheco - crédito da foto: Sucena Shkrada Resk

Por Sucena Shkrada Resk

“Antes pensava de forma etnocêntrica e considerava que o desenvolvimento pedagógico estava concentrado na Europa. Quando descobri os avanços no Brasil, desfiz essa visão equivocada, e avaliei que o país está entre os primeiros nesta área no mundo…”. A reflexão é do educador português José Pacheco, um dos principais precursores da diferenciada Escola da Ponte, durante o lançamento de seu livro ‘Aprender em Comunidade’, pelas Edições SM, durante a Bienal do Livro de São Paulo. A obra reconhece a importância de educadores no Brasil. 

Segundo ele, um dos princípios que absorveu, durante sua trajetória profissional, é que na educação não existe verdade definitiva. “Aprendo a aceitar o outro como é, independente da militância”, explica. E com voracidade constante por aprender outros ângulos de leitura de mundo, Pacheco conta que um dos autores brasileiros que revisitou, durante sua carreira, foi Paulo Freire (1921-1997), por meio de algumas de suas obras, como a Pedagogia da Esperança. 

“No país, outro pioneiro que respeito é o educador e jornalista Eurípedes Barsanulfo (1880-1918)”. Em 31 de janeiro de 1907, o mineiro criou o primeiro educandário brasileiro com orientação espírita no Brasil, o Colégio Allan Kardec, em Sacramento. A instituição foi considerada uma das mais avançadas na educação à época, utilizando o então método ainda recente de Pestalozzi.

Aprender em comunidade

Para Pacheco, as experiências como educador fizeram com que reconhecesse que as escolas são as pessoas e seus valores e não, os seus edifícios. “Esses valores conduzem a projetos”, completa. O livro ‘Aprender em comunidade’ parte deste princípio. Com linguagem coloquial, o educador escreveu 25 cartas para destinatários do século XVI ao XXI, que tiveram papéis atuantes no Brasil, cujas biografias também podem ser conhecidas na obra.

O formato, de acordo com o autor, permitiu que criasse uma intimidade ficcional também com outros autores já falecidos e os aproximassem do leitor. A tônica das mensagens mescla a crítica, a indignação e a esperança.

Entre os destinatários, está o educador Alessandro Cerchai, que Pacheco não se conforma ter sido pouco conhecido no Brasil. “Ele criou a Escola Libertária Germinal, em 1902, na cidade de São Paulo, que durou dois anos, mas foi inovadora”. Lá, de acordo com o autor, os pais dos alunos pagavam uma pequena mensalidade e intervinham na arrecadação de fundos e na gestão do próprio projeto. Aí estava o embrião da relação escola-família. “E hoje muitas continuam marginais à vida escolar, e frágeis nas estruturas de participação”, compara.

A inspiração para se comunicar com o leitor, por meio dessa linguagem fácil de assimilar,  surgiu com o primeiro livro que ‘realmente gostou de escrever’ – como afirma. “Foram as 17 cartas destinadas à minha neta Alice, que havia nascido em 2001, ano em que vim para o Brasil. A minha ideia era que quando ela completasse seis anos, poderia ler. Tempos depois, uma editora se interessou em publicá-las”. E claro, a menina pôde ter o prazer de ler as mensagens de seu avô, como previsto, ainda em sua infância.

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Rubem Alves e a Escola da Ponte – a desconstrução de paradigmas

José Pacheco e Sucena Shkrada Resk - Bienal do Livro de São Paulo 2014

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Leia mais: https://cidadaosdomundo.webnode.com/news/jose-pacheco-fala-da-import%c3%a2ncia-dos-educadores-brasileiros/

O CÓDIGO FLORESTAL E A INFLUÊNCIA NA GESTÃO DAS ÁGUAS

02/09/2014 16:49

Por Sucena Shkrada Resk

Dois anos após a aprovação da atual legislação florestal brasileira, lei 12651 (de 25 de maio de 2012), ocorreu no último dia 31 de agosto, a pré-estreia do documentário A Lei da água: novo Código Florestal, sob direção de André Vilela D`Elia e produção de Fernando Meirelles, no auditório Ibirapuera, em São Paulo. O evento integrou o encerramento da programação da Virada Sustentável 2014.

O longa-metragem, com 75 minutos de duração, é composto por entrevistas, infográficos, seleção de inúmeras chamadas de notícias na imprensa, que foram veiculadas no decorrer do período da votação da lei. A produção ilustra os pontos polêmicos no novo texto e em especial,  que interferem diretamente na gestão das águas. Ao mesmo tempo, aborda iniciativas que poderiam conciliar o recorte ambiental com o da agropecuária. Para isso, a mensagem é reforçada com situações que ilustram a relação da manutenção das florestas, das matas ciliares com a preservação dos recursos hídricos.

A legislação, que substituiu a anterior de 1965, ainda está em fase de regulamentação e depende em parte da implementação nos estados, do Cadastramento Ambiental Rural (CAR). O processo está sendo lento e deverá contemplar 5,6 milhões de imóveis até o ano que vem. Os estados deverão fazer suas regulamentações que podem ser mais restritivas e não menos restritivas, que a lei federal. Para acompanhar a implementação da nova legislação, um grupo de instituições e organizações não governamentais criou o Observatório do Código Florestal, em maio de 2012.

Os eixos centrais do documentário se pautam em questionamentos principalmente quanto à sobreposição permitida, com a atual legislação, entre Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais, diminuindo assim o percentual de áreas protegidas no país. Um dos aspectos mais controversos que ainda perdura, segundo o filme, é quanto à diminuição da área protegida nas margens dos corpos d´água. A vulnerabilidade da conservação, segundo cientistas, ambientalistas e representantes da Justiça, é reforçada pela anistia que está sendo concedida por meio da lei, a quem tenha descumprido as regras legais de conservação até julho de 2008.

No documentário, foram ouvidos políticos de correntes contrárias e favoráveis ao atual texto, cientistas representando a Academia,  como Antonio Nobre, agrônomo e Mestre em Biologia Tropical, representantes de organizações não governamentais, produtores rurais, como também a subprocuradora da República Sandra Cureau. Em seu depoimento tratou das quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), que tramitam no Supremo Tribunal de Justiça, que são contrárias às disposições acima do atual Código Florestal. O longa-metragem ilustrou também casos bem-sucedidos de conciliação entre conservação ambiental e agricultura, como projetos que envolvem pequenos produtores rurais na área de abrangência da Usina de Itaipu, em Foz do Iguaçu (PR).

Entre os depoimentos, um dos que mais me chamou a atenção foi de Nobre, que é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e pesquisador-visitante no Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). De forma didática, conseguiu transmitir  e reforçar quais são as implicações de cunho ambiental que são prejudiciais com o atual Código Florestal, que também afetam a sustentabilidade agropecuária. Ao mesmo tempo, expôs como poderiam haver soluções de ocupação da terra, de forma criteriosa, entre pasto e agricultura, sem prejudicar a produção de alimentos, e provocar mais desmatamento.

Ele é um dos pesquisadores dos chamados rios voadores da Amazônia, que influenciam o clima em outras regiões do país, como a Sudeste, e da América do Sul. Segundo Nobre, esse é um dos principais motivos para não diminuir a conservação das florestas e dos mananciais. Entre os seus argumentos, está  o fato de que  nos 5.5 milhões de quilômetros quadrados, a floresta amazônica bombeia 20 trilhões de litros de águas do solo, todos os dias, pela transpiração das folhas, para a atmosfera, o que equivale à produção de 50 mil Itaipus.

A iniciativa do longa-metragem é resultado de parceria com as organizações não governamentais Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto Socioambiental (ISA); Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS),  O Bem-te-vi Diversidade e WWF Brasil. A produção é de responsabilidade da Cinedelia e da O2 Produções. As formas e período de veiculação ainda deverão ser analisados até o final do ano, segundo D`Elia.

O trailer já pode ser conferido neste link: https://youtu.be/n3wZxYgRyWQ.

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01/09/2014 – Oceanos com sua biodiversidade costeira e marinha: documentar para conservar
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09/01/2014 – Reflexão: Ir além do morde e assopra nas políticas socioambientais
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07/12/2011 – O exercício de decodificar o novo PL do Código Florestal
06/12/2011 – Nota: Substitutivo do Código Florestal é aprovado no Senado
27/07/2011 – Código Florestal: só para lembrar, a discussão está no Senado…
15/01/2011 – Quem sabe qual é o texto atual do substitutivo do PL do Código Florestal a ser votado?

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Oceanos com sua biodiversidade costeira e marinha: documentar para conservar

01/09/2014 15:21

Por Sucena Shkrada Resk 

Existe uma máxima que faz todo sentido. Se você não conhece e nem sequer se sente parte da imensidão azul, que são nossos oceanos e sua biodiversidade, como pode perceber que é responsável por sua conservação? Pensando nisso, a figura do documentarista, que também é um comunicador, se torna cada vez mais relevante. Atualmente neste segmento, dois profissionais fazem trabalhos sérios, neste sentido. Um é o jornalista e documentarista João Lara Mesquita, que se especializou a partir dos anos 2000, no universo marítimo, e mantém o projeto Mar Sem Fim no qual difunde seu trabalho, como outros referentes ao tema. O outro é o biólogo, fotógrafo subaquático e cinegrafista Cristian Dimitrius, que começou nesta área, em 1996, em Santa Catarina.

A ligação de Mesquita com o mar vem de longa data. “Navego desde os anos 60”, conta. Com essa experiência, se deparou com os efeitos destruidores de ações como a pesca de arrasto, nos recifes de corais, como também com iniciativas conservacionistas. Durante sua carreira jornalística, a sua ligação com as águas de forma mais contínua começou quando exerceu a função de diretor da Rádio Eldorado, que mobilizou à época, a Campanha pela Despoluição do Tietê, no ano de 1991, em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica. A iniciativa resultou em um abaixo-assinado com 1,2 milhão de assinaturas.

 “Entre 2005 e 2007, fiz uma série de 90 documentários para a TV Cultura, resultado da navegação entre o Oiapoque e Chuí. Estudava o ecossistema predominante e aprendi muito ao entrevistar especialistas em costões, mangues e restingas”, recorda o jornalista. Nesta trajetória, também fez uma série sobre a Antártica que foi veiculada na TV Bandeirantes. “É uma área importante no planeta que se comunica com todos os oceanos”, explica.

Hoje Mesquita produz o trabalho Mar sem Fim – Redescobrindo a Costa Brasileira sobre as condições de 62 unidades de conservação marinhas  na costa brasileira, exibido pela TV Cultura. “Já visitei 15 e o que tenho observado é a falta de fiscalização e problemas de conservação. Onde encontrei o cumprimento de regras de proteção até o momento foi na Estação Ecológica (ESEC) do Taim (RS), na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) de Salto Morato, em Guaraqueçaba (PR), esta sob coordenação da Fundação Boticário, e a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) da Ilhas de Queimada Pequena e Queimada Grande,  localizada ao longo de Itanhaém e Peruibe (SP)”. Segundo ele, apesar desta última unidade de conservação federal ainda não ter plano de manejo, após 29 anos, ‘parece que vem cumprindo seus objetivos’.

Dimitrius, depois de centenas de horas de imagem em vídeo e fotográficas,  define que a motivação para seu trabalho está na proposta de formação de multiplicadores. Entre seus trabalhos mais recentes, está por exemplo, o livro Alcatrazes, pela Cultura Sub, de 2013, que tem fotos também de Fernando Clark e textos de Guilherme Kodja, Kelen Luciana  Leite, Fernando Zaniolo Gibran, Rodrigo de Leão Moura e de Ronaldo Bastos Francini Filho. Suas fotos ilustraram a reportagem que fiz lá para a Revista Horizonte Geográfico, no ano passado, Alcatrazes: o grande ninhal do Sudeste pode virar Parque Nacional. E vale destacar que até hoje o projeto tramita no Ministério do Meio Ambiente e não foi encaminhado para ser sancionado, apesar de existir uma grande mobilização por parte de organizações conservacionistas, com o apoio da própria Marinha do Brasil e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Segundo Dimitrius, o seu objetivo como profissional é que as pessoas se apaixonem por este planeta. “Como consumidores, também somos responsáveis pelos problemas causados ao ecossistema”.

 “A esperança está no conhecimento. Quando a gente mergulha e vê o que está acontecendo, começa a respeitar. O ser humano come peixes de 100 anos, destroi predadores de topos de cadeira, como os tubarões. Se não tivermos o azul do mar, não teremos o verde. As pessoas precisam ser tocadas no processo de informação” diz.  Ele destaca que o overfishing (sobrepesca) está destruindo a vida nos oceanos. “Para cada quilo de peixe adquirido, toneladas são jogadas fora”, alerta.

Os dois profissionais participaram do Seminário Oceanos, realizado pela Cultura Sustentável, durante o evento Virada Sustentável, no último dia 28, realizado na sede da Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), em São Paulo.

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29/08/2014 – Alerta vermelho ao estado de conservação da biodiversidade costeira e marinha brasileira
22/08/2014 – Almirante Ibsen: um defensor do conservacionismo
29/06/2014 – Ilha deserta: o conceito de deserto revisitado

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Alerta vermelho ao estado de conservação da biodiversidade costeira e marinha brasileira

29/08/2014 18:09

crédito da foto: Sucena Shkrada Resk 

Crédito: Sucena Shkrada Resk

Por Sucena Shkrada Resk

As analogias, por muitas vezes, facilitam a melhor absorção das conexões dos fatos. Sendo assim, se aqui no Brasil, colocarmos o ecossistema costeiro e marinho no lugar do paciente e a sociedade, os gestores e legisladores no papel da equipe médica e de saúde, o resultado é crítico. Sim, o quadro não é dos melhores. Atualmente 1,57%  do bioma marinho brasileiro tem algum tipo de proteção institucionalizada por unidades de conservação federais e estaduais, o que corresponde a 151 áreas (62 de proteção integral e 89 de uso sustentável), sendo 106 sobrepostas. Somente algumas estão totalmente implementadas e as com total proteção representam 0,1% desse universo. A mais recente é o Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais, no estado do Paraná, em 2013, por iniciativa legislativa, que tramitava no Congresso, há 11 anos.

O Brasil segue um quadro de vulnerabilidade de abrangência planetária. Estima-se que hoje haja somente 1% de áreas protegidas mundialmente, que representam 1,3 mil unidades, segundo o relatório A blueprint for ocean and coastal sustainability, da Organização das Nações Unidas (ONU).

Segundo o Índice de Saúde do Oceano do Brasil, divulgado em abril, na revista científica PLOS ONE, o país atingiu a pontuação 60, numa escala até 100, reiterando a realidade de poucas áreas protegidas sobre o mar. Os seguintes itens foram avaliados na extensão dos 17 estados da costa brasileira:

– Armazenamento de carbono (89)

– Proteção costeira (92)

– Biodiversidade (85)

– Produtos naturais (29)

– Turismo e recreação (31)

– Provisão de alimentos (36)

– Aquicultura (6)

A iniciativa foi coordenada pela pesquisadora Cristiane Elfes, do Departamento de Ecologia, Evolução e Biologia Marinha, da Universidade da Califórnia Santa Bárbara, EUA. O levantamento teve o apoio de especialistas de universidades norte-americanas e da Conservação Internacional (CI), com dados de 2012.

Mais um fator que pesa na questão da conservação é que a biodiversidade marinha brasileira ainda é pouco estudada. Há o registro de pouco mais de 1,3 mil espécies de invertebrados na costa sudeste, 1.209 espécies de peixes, 53 de cetáceos, além de peixes-bois e leões-marinhos, sete espécies de tartarugas-marinhas, como também de espécies de penípedes que aparecem em determinados períodos, com as baleias-jubarte e franca. As espécies de aves marinhas conhecidas, entre endêmicas e migratórias, chegam a pouco mais de 100. Nessa riqueza, estão inclusos os recifes coralíneos, que são os únicos no Atlântico sul, e 20 das 350 espécies mundiais se encontram aqui. Nos manguezais, há o registro de quase 800 espécies das mais variadas.

O problema por aqui se avoluma por se tratar de uma área literalmente de proporções continentais. A zona costeira brasileira (8,5 mil km), onde vivem cerca de ¼ da população, se encontra entre a foz do rio Oiapoque à do rio Chuí e abrange cerca de 400 municípios distribuídos em 17 estados, à oeste, até 200 milhas náuticas. Seus ecossistemas abrangem áreas alagadas e banhados, costões rochosos, dunas, estuários, lagunas, manguezais, marismas, praias e restingas. Ainda estão na área de proteção, o Atol das Rocas, os arquipélagos de Fernando de Noronha e São Pedro e as ilhas de Trindade e Martim Vaz, que ficam além deste limite. Já a  parte marinha é compreendida em  3,5 milhões de km2.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) chegou a fazer um levantamento em 2006, no qual selecionou 608 diferentes áreas de prioridade de conservação costeira e marinha no país, sendo 25,8% unidades de conservação ou terras indígenas. Um total de 58 áreas são consideradas como extremamente altas, quanto ao grau de importância biológica na zona marinha. Entre as ações prioritárias que devem ser implementadas, estão criação de mais UCs e reconhecimento de terras indígenas e quilombolas, além de de corredores ecológicos e ordenamento de atividade pesqueira. Mas pouco se avançou neste sentido, nos últimos anos.

Esse imenso ecossistema azul é afetado pela falta de cuidados em diferentes esferas, provenientes de esgotos domésticos, poluentes tóxicos (incluindo riscos decorrentes de vazamentos extração de petróleo e gás), resíduos de toda ordem e pesca predatória.

Nessa lista de perigos, se destaca os microplásticos (partículas de até 5 mm de diâmetro, fabricados ou criados com a decomposição do plástico), segundo o 11º Anuário do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA).

O documento final ‘O Futuro que Queremos’ da Conferência de Desenvolvimento Sustentável – Rio+20, no Rio de Janeiro, também apontou a prioridade de soluções quanto à poluição marinha, principalmente por plásticos, poluentes orgânicos persistentes, metais pesados e nitrogênio. Ao mesmo tempo ratifica o compromisso de agir para reduzir a incidência e impacto destes poluentes no ecossistema marinho. Neste aspecto, é um problema que transcende fronteiras, pois as correntes marítimas fazem com que esses resíduos viajem por milhares de quilômetros.

Como uma epidemia, essa situação de vulnerabilidade se alastra atingindo a população costeira tradicional, de forma mais direta, e segue território adentro. Isso acontece com influências gradativas no clima, no aumento do nível do mar, no estoque pesqueiro e, de forma mais objetiva, na qualidade de vida.

Lei e prática

As legislações e programas nacionais vigentes não dão conta na prática das necessidades de conservação. Segundo o Panorama de Conservação dos Ecossistemas Marinhos e Costeiros do Brasil, publicado pelo MMA, a zona costeira foi instituída como Patrimônio Nacional, em 1988. No mesmo ano, o Congresso ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que estabelece soberania, direitos e deveres sobre a zona econômica exclusiva, além do conceito de mar territorial, de plataforma continental, e diretrizes para a conservação da biodiversidade marinha. Dois anos depois, foi aprovado o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, regulamentado em 2004. Existe ainda uma Política Nacional para os Recursos do Mar, com versão atualizada em 2005, que preconiza exploração e aproveitamento‘sustentável’.

Segundo o MMA, desde 2001 é também desenvolvido o Programa Nacional de Monitoramento de Recifes de Coral, ao longo da costa nordestina. No campo da pesquisa e atendimento de espécies ameaçadas, existe o Centro Nacional de Conservação de Tartarugas Marinhas (Tamar) e o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Aquáticos (CMA), além de Centros de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Ibama.

Há outras iniciativas em curso no país com a participação público-privada e do terceiro setor, como o Projeto Coral Vivo, o colegiado Mar no Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que integra o Programa Homem e Biosfera da UNESCO, entre outros.

Na esfera internacional

O governo brasileiro, apesar de ser signatário de tratados internacionais, como o da implementação das Metas de Aichi (2011-2020), do Protocolo de Nagoya, no âmbito da COP da Diversidade Biológica, está longe de atingir o que o documento propõe. O país não ratificou o documento (iniciativa indispensável), submetendo a análise ao Congresso. O documento entrará em vigor mundialmente, em outubro, porque houve a ratificação de outros 50 países integrantes, o mínimo exigido para a implementação. A situação fica mais desconcertante, pois à época das discussões, o país foi um dos principais articuladores e a secretaria da COP tem à sua frente, um brasileiro, Bráulio Ferreira Dias (ex-secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente), que foi, em grande parte, responsável por essa mobilização, nestes anos.

As metas relacionadas ao bioma aquático/marinho são:

Meta 6: Até 2020, o manejo e captura de quaisquer estoques de peixes, invertebrados e plantas aquáticas serão sustentáveis, legais e feitas com a aplicação de abordagens ecossistêmicos de modo a evitar a sobre-exploração, colocar em prática planos e medidas de recuperação para espécies exauridas, fazer com que a pesca não tenha impactos adversos significativos sobre espécies ameaçadas e ecossistemas vulneráveis, e fazer com que os impactos da pesca sobre estoques, espécies e ecossistemas permaneçam dentro de limites ecológicos seguros.

Meta 10: Até 2015, as múltiplas pressões antropogênicas sobre recifes de coral, e demais ecossistemas impactadas por mudança de clima ou acidificação oceânica, terão sido minimizadas para que sua integridade e funcionamento sejam mantidos.

Meta 11: Até 2020, pelo menos 17 por cento de áreas terrestres e de águas continentais e 10 por cento de áreas marinhas e costeiras, especialmente áreas de especial importância para biodiversidade e serviços ecossistêmicos, terão sido conservados por meio de sistemas de áreas protegidas geridas de maneira efetiva e eqüitativa, ecologicamente representativas e satisfatoriamente interligadas e por outras medidas espaciais de conservação, e integradas em paisagens terrestres e marinhas mais amplas.

Com relação à conservação das zonas úmidas, o Brasil é signatário da Convenção Ramsar, que protege lagunas, manguezais e recifes de corais. Entre estas áreas, estão inseridas nesta lista mundial, a Área de Proteção Ambiental das Reentrâncias Maranhenses, da Baixada Maranhense, o Parque Estadual Marinho do Parcel de Manuel Luiz, os três no MA; o Parque Nacional Marinho de Abrolhos (BA), o Parque Nacional do Araguaia (TO) e o da Lagoa do Peixe (RS).

Mais motivos de desequilíbrio

De forma global, uma série de interferências prejudiciais ocorre nos oceanos no planeta, além dos resíduos. Entre elas, estão algumas poucas conhecidas da maior parte da população, como o fato de absorverem 26% do dióxido de carbono emitido à atmosfera pelas atividades humanas. Isso aumenta a acidificação das águas oceânicas (nível de pH), o que pode comprometer a vida marinha. Essas interferências não param por aí. Aproximadamente 80% das 232 ecorregiões marinhas do mundo têm relatado a presença de espécies aquáticas invasoras, mediadas principalmente por meio de água de lastro e incrustação no casco do transporte marítimo internacional. No Brasil, há alguns exemplos, como o coral-sol e o peixe-leão.

No campo da segurança alimentar, das 200 espécies mais adequadas ao consumo humano, 120 pelo menos estão sendo exploradas além do limite e 80% dos recursos pesqueiros também já estão no sinal vermelho, segundo a FAO (braço da ONU na área de alimentação e agricultura).

Veja também no Blog Cidadãos do Mundo:

22/08/2014 – Almirante Ibsen: um defensor do conservacionismo
29/06/2014 – Ilha deserta: o conceito de deserto revisitado 

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Livros recheados de ternura

27/08/2014 17:07

crédito da foto: Sucena Shkrada Resk

https://cidadaosdomundo.webnode.com/_files/200000505-b438cb5328/BienaldoLivro240814Sucena%20(30).JPG

Por Sucena Shkrada Resk,

Quinze anos se passaram, mas para a pedagoga mineira Mirtes de Souza, 60 anos, radicada em São Paulo, é como se fosse hoje. A presidente do Movimento de Mulheres do Jardim Comercial lembra bem das palavras de sua filha à época – “Mãe, se não achar uma forma de auto-sustentar o trabalho de vocês com foco mais empresarial, ele vai acabar”. O alerta, segundo ela, fez com que matutasse por horas e a então professora teve uma ideia: iria escrever pequenas histórias em livros de pano (antialérgicos), para ajudar na manutenção das despesas. Hoje são 56 obras matrizes artesanais que são reproduzidas a várias mãos e tecem pequenas histórias e contos com fundo moral para crianças e adultos.

O processo, que reúne sua sensibilidade de educadora e empreendedorismo ganhou dezenas de cocriadoras ao longo dos anos. Com doações de tecidos e aviamentos,  uma voluntária corta o retalho, outra desenha, outra costura e mais uma faz o acabamento. Ao mesmo tempo, elas participam das atividades promovidas pelo movimento.

“Criado há 24 anos, o trabalho atinge cerca de 600 mulheres da região de Capão Redondo, na zonal Sul de São Paulo, que precisam trabalhar em casa e não encontram creches para os filhos”. Em um centro de convivência e lazer, são oferecidas palestras sobre saúde da mulher, aulas de culinária, de corte e costura, de bordado e de contação de histórias infantis, além de encaminhamento de dependentes para tratamento gratuito de alcoolismo em clínicas especializadas.  

Os livros de história, que são forrados como pequenos travesseiros, são vendidos na sede do movimento e em eventos em que é convidado a participar, como a Bienal do Livro de São Paulo deste ano. Essas mulheres também confeccionam colchas, acessórios e jogos temáticos infantis artesanais em pano.

Para a educadora Mirtes, lembrar da primeira história, que  criou e deu início a essa série, é algo que a emociona até hoje. “Essa foi escrita sobre um cobertor velho e conta a relação de amizade de uma menina loira e um garoto negro que se conhecem na escola, até que um dia descobrem o preconceito por parte da avô da menina, dona Clemência”, diz Mirtes. Para fazer com que a senhora pudesse desfazer essa atitude equivocada, tiveram a ideia de fazer um ramalhete colorido e presentearam a ela. “Com essa simbologia do gesto, Clemência reconheceu que estava errada…”.

Segundo a pedagoga, a decisão por trilhar o ‘caminho das palavras’ se deve também ao fato de os pais dela lerem desde sua infância para ela e sua irmã Marly, 62 anos, que é a vice-presidente do Movimento. “Minha mãe era professora e meu pai, ‘prático de farmácia’. Por outro lado, dei aula na rede municipal por 30 anos, especialmente para alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e essa experiência também teve um peso importante”, avalia.

Somente a arrecadação com os livros não é suficiente para cobrir as despesas do movimento, já que não conta com parceria pública. “Também recebemos doações e neste ano, nosso projeto foi um dos três contemplados de uma escola em São Paulo. Com isso, poderemos fazer a manutenção do prédio do movimento”.

Mais dados sobre o Movimento são encontrados no site: https://www.movimentodemulheres.org.br.

https://cidadaosdomundo.webnode.com/_files/200000506-8279c84c6b/BienaldoLivro240814Sucena%20(32).JPG

Legenda: Conheci o trabalho, durante a Bienal do Livro 2014, no último dia 24 de agosto, em São Paulo.

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Leia mais: https://cidadaosdomundo.webnode.com/news/livros-recheados-de-ternura/

 

Memória – Almirante Ibsen: um defensor do conservacionismo

22/08/2014 17:26

Por Sucena Shkrada Resk

https://cidadaosdomundo.webnode.com/_files/200000504-c9765ca70f/Ibsen%20C%C3%A2mara.jpgSaber do falecimento do almirante Ibsen de Gusmão Câmara, no último dia 31 de julho deste ano, me causou num primeiro momento tristeza, mas ao mesmo tempo fiquei feliz por ter tido a oportunidade de ter conhecido um pouco de sua contribuição em vida.

Uma semana antes de completar seus 90 anos, em 19 de dezembro de 2013, tive a oportunidade de entrevistá-lo profissionalmente pela primeira vez. Antes de mantermos o nosso diálogo por telefone (ele morava no Rio de Janeiro), lá fui eu pesquisar seu perfil e fiquei me cobrando  – “Por que eu não tinha ido procurá-lo antes?”. O que me instigou a contatá-lo foi sua importância no ambientalismo brasileiro e mundial. Considerado um dos pioneiros do conservacionismo, tinha por trás de sua longevidade tanta história vivida nesta seara a contar.

A questão maior na pauta obviamente não era sua alta patente na marinha ou sua posição institucional como conselheiro em diversas organizações socioambientais e no próprio Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). O que me encantou foi ouvir sua linha de pensamento tão segura quanto à importância da biodiversidade, da manutenção da conservação, além de sua análise sobre o contexto atual desafiador nesta área. Segundo ele, hoje muitas unidades de conservação carecem de gestão eficaz e de plano de manejo, ficando só no papel. Para mudar essa situação, o almirante considerava que o único caminho é por meio de um governo atuante com o apoio da própria sociedade.

Eclético que era, também tinha se enveredado pela paleontologia, como um autodidata, que depois resolveu estudar e ir a fundo no tema. Ele soube, por meio do alcance de sua profissão, exercer sua cidadania, trazendo importante bagagem de experiências das viagens que fez pelo mundo.

Em pouco menos de uma hora de entrevista, pude reconhecer que estava conversando com uma pessoa incansável em seus propósitos. Defendeu a conservação das baleias, liderando a campanha contra a caça do mamífero marinho, esteve envolvido na criação de diversas unidades de conservação ambiental no país, como a Reserva Biológica do Atol das Rocas e os Parques Nacionais Marinhos dos Abrolhos e de Fernando de Noronha. Seja na mobilização da conservação da vida marinha ou nos biomas, ele esteve presente nessa trajetória por décadas. Não guardou esse aprendizado a sete-chaves e foi autor de alguns livros na área ambiental, como o Megabiodiversidade Brasil (2001).

O jornalista Marcos Sá Correa escreveu um pouco sobre essa característica envolvente de Câmara, no livro “Água mole em pedra dura: dez histórias da luta pelo meio ambiente” (2006), em que trata também da história de outros ambientalistas.

Hoje fico pensando, que na outra dimensão, quem sabe, o almirante Ibsen pode estar mantendo importantes diálogos com outros ambientalistas e pesquisadores inesquecíveis de sua época, como o zoólogo Paulo Vanzolini (1924-2013), o  geógrafo Aziz Ab`Saber (1924-2012), a geógrafa Bertha Becker (1930-2013), como também com os fundadores da Associação Gaúcha de Proteção ao Meio Ambiente Natural – Agapan, Augusto Carneiro (1922 – 2014) e o agrônomo e ecologista José Lutzemberger (1926-2002), entre outros. E nessa utopia, eles estão orientando seus discípulos e simpatizantes da causa pelo planeta Terra. Não custa sonhar.

Veja também outros artigos que escrevi no Blog:
16/03/2012 – Aziz Ab`Saber, uma mente brilhante
01/05/2011 – Suassuna em verso e prosa

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Suassuna, um brasileiro travestido de “esperança”

21/08/2014 11:08

Por Sucena Shkrada Resk

https://cidadaosdomundo.webnode.com/_files/200000503-45180470d1/ArianoSuassuna_2011_Sucena2%20-%20C%C3%B3pia.jpg
Foto (Acervo pessoal: Sucena Shkrada Resk/abril 2011)

“O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”. Frase inesquecível do dramaturgo, poeta e romancista paraibano Ariano Suassuna (1927-2014), que penetra em nossas reflexões, por causa de sua sutileza ao definir a sua maneira de interpretar a vida. Eu me lembrei dele hoje ao ver imagens de semblantes de crianças nos seus primeiros meses reluzindo o quê? Justamente essa esperança, que começa a ser construída a partir do momento que nascemos, quase como uma concepção poética.

Em 23 de julho deste ano, aos 87 anos, esse nordestino ‘aperreado’, que se sentia realizado como um contador de histórias, se despediu destas paragens, mas continua muito presente no imaginário do povo brasileiro, em especial, nordestino. Com a sua voz rouca e sorriso fácil mas sem perder a ironia refinada, ele viajou por vários cantos deste país, levando sua leitura de mundo, por meio de suas aulas-espetáculos. Inesquecíveis, pois nelas se entregava por inteiro numa relação próxima ao público, fazendo com que cada um que o assistisse tivesse a sensação de fazer parte daquele universo de tantas histórias presentes em seu repertório. 

Cativante. Assim era Suassuna. O seu olhar brilhava a cada lance de memória de passagens de sua vida de paraibano, com muito orgulho. Via na simplicidade do  povo nordestino, de seus artistas e escritores,  a maior matéria-prima para sua mente incansável. Assim, criou o Movimento Armorial, valorizando a literatura de cordel, os pífanos, as rabecas, as belíssimas xilogravuras, em 1970. Iniciativa que defendeu até o fim. Com esse estilo peculiar, bem antes, em 1955, havia escrito o Auto da Compadecida, que virou filme, sob direção de Guel Arraes e roteiro de Adriana Falcão (1999) e peça teatral, ganhando reconhecimento internacional.

Como esquecer do personagem João Grilo? E do desabafo ‘singelo’ de Chicó?

“Chicó – João! João! Morreu! Ai meu Deus, morreu pobre de João Grilo! Tão amarelo, tão safado e morrer assim! Que é que eu faço no mundo sem João? João! João! Não tem mais jeito, João Grilo morreu. Acabou-se o Grilo mais inteligente do mundo. Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre. Que posso fazer agora? Somente seu enterro e rezar por sua alma.”

Inesquecível. Assim será Suassuna, para a cultura brasileira. Homem que traduzia o sentido do respeito às raízes e à justiça social.

“Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver” (Ariano Suassuna).

Veja também o artigo que escrevi sobre ele, quando tive a oportunidade de assistir a sua aula-espetáculo, em São Paulo, e depois pude entrevistá-lo, no ano de 2011. Naquele momento,  lá estava eu eternamente grata por ter conseguido encontrar em suas palavras, um sentido de brasilidade, que nunca irei me esquecer:

01/05/2011 – Suassuna, em verso e prosa

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk 



Leia mais: https://cidadaosdomundo.webnode.com/news/suassuna%2c-um-brasileiro-travestido-de-%e2%80%9cesperan%c3%a7a%e2%80%9d/

 

Cantareira expõe a fragilidade do sistema de abastecimento

20/08/2014 14:35

(Como entender a gestão das águas em SP – parte 3)

Por Sucena Shkrada Resk

Como dizia o pensador Heráclito de Éfeso, as águas de um mesmo rio nunca são as mesmas águas. Metaforicamente essa constatação cai como luva, quando se trata do atual quadro do Sistema Cantareira, que abastece cerca de 12 milhões de pessoas na Grande São Paulo e em Campinas, e sofre com a estiagem por meses consecutivos. Parece um cenário triste dos quadros da seca nordestina. A situação é considerada a pior em 84 anos.

Agora, por um tempo indefinido, até a fase das chuvas chegar (mas que atinja as cabeceiras), o complexo deixa de ostentar o título de ser  um dos maiores do mundo.Está hoje com menos de 13% de sua capacidade e desde 15 de maio depende da reserva técnica ou volume morto (encontrado abaixo das comportas) para suprir o mínimo da demanda, que deve expirar até outubro, se não houver a mudança do cenário.

A Agência Nacional das Águas (ANA) e o Departamento Estadual de Água e Energia Elétrica (DAEE) autorizaram a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que opera o sistema, a fazer esta retirada, que deverá chegar agora à segunda fase, com a solicitação de  mais 124,7 bilhões de litros de água feita pela empresa. Com isso, o volume morto utilizado passará a ser um pouco mais de 300 bilhões de litros.

E para quem pensa que a utilização de reserva técnica é algo novo, pode se surpreender, pois já existe esta necessidade, desde os anos 70, de acordo com Rubem La Laina Porto, doutor em Engenharia Hidráulica e Sanitária pela Universidade de São Paulo (USP), atingindo cidades do interior paulista, como Atibaia e Campinas. Essa vulnerabilidade demonstra conhecimento prévio das autoridades e órgãos competentes quanto à influência das intempéries climáticas e a necessidade de planos de adaptação, neste sentido.

As medidas deveriam incluir algo mais expressivo, por exemplo, como campanhas de redução de consumo da população e das empresas de forma permanente (e, não, sazonais, como ocorre neste momento de crise) e principalmente quanto à eliminação da perda por vazamentos ou problemas de outra ordem na rede de abastecimento.

Só em 2013, a estimativa é que  tenham sido perdidos 950 bilhões de litros de água limpa nos canos operados pela Sabesp (além da Cantareira, os reservatórios que abastecem a região metropolitana de São Paulo são do Alto Tietê, Guarapiranga, Alto Cotia/Baixo Cotia, Rio Claro e Rio Grante/Ribeiração da Estiva) e esse volume é equivalente à capacidade de armazenamento do próprio Cantareira (981 bilhões de litros). 

As tubulações são em grande parte, ultrapassadas, sendo que 34% dos tubos têm entre 30 e 40 anos e 17%,  acima de 40 anos. Segundo a empresa, quatro em 10 vazamentos são indetectáveis, porque não são visíveis e outros 50% só perceptíveis por métodos acústicos. Este quadro de envelhecimento se soma ao prejuízo causado por milhares de ligações clandestinas.

Quando se observa esse contexto, fica ainda mais claro que apesar do Sistema Cantareira ser uma grande obra de engenharia, composta por seis represas interligadas por 48 quilômetros de túneis e ter capacidade de vazão de 33 mil litros de água por segundo, os seus reservatórios são frágeis aos ciclos hidrológicos e à própria intervenção humana.

Neste cenário de escassez, há ainda a constatação da dificuldade de gestão entre bacias hidrográficas, que têm a participação de diferentes estados. O governo paulista pleiteou a transposição do rio Paraíba do Sul para suprir a escassez da represa Atibainha. O rio, entretanto, abastece parte do Rio de Janeiro, cujo governo se posicionou contrário à medida, e de Minas Gerais, porque o curso d´água também sofre com problemas de escassez nessas regiões.  A polêmica ganhou tal proporção, que o caso foi parar na justiça fluminense e pode ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma ação civil pública foi movida pelo MPF (Ministério Público Federal) contra a transposição.

Os complicadores da crise da água não param por aí. A escassez também é um alerta vermelho para a geração de energia nas hidrelétricas, um tema para um próximo artigo. Mas as condições atuais já são suficientes para colocar este assunto no centro da pauta dos governos nas três esferas, como prioridade de gestão permanente.

Veja outros artigos que escrevi sobre o tema água, no Blog:
18/08/2014 – Qualidade das águas (Como entender a gestão das águas – parte 2)
15/08/2014 – Como entender a gestão das águas, no estado de SP (Parte 1)
14/10/2013 Água: um bem depreciado na sociedade do desperdício
22/03/2013  Água pura…quero ver-te
24/08/2012  Coleta e tratamento de esgoto: como será quando chegarmos a 2050?
07/06/2012  Rumo à Rio+20: o valor oculto da água
23/05/2012  Nota: Saneamento está interligado a outras infraestruturas
23/05/2012  Riomais20 – Como tratará da realidade da África Subsaariana?
19/10/2011  Recursos hídricos: uma pauta para a Rio+20
19/10/2011  Esgoto: o calcanhar de aquiles do Brasil
28/10/2011  Por dentro do saneamento básico
28/10/2011  Trata Brasil estuda projeto de educação para o saneamento
28/07/2011  Atenção às nossas águas

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Qualidade das águas em SP (Como entender a gestão das águas – parte 2)

18/08/2014 17:12

Por Sucena Shkrada Resk

Os principais cursos d´água do estado de São Paulo apresentam baixo Índice de Qualidade das Águas (IQA), de acordo com a avaliação 2013, da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), que observa a diluição de efluentes, em especial de origem doméstica, com parâmetros de 0 a 100. Segundo o Relatório Anual das Águas Superficiais produzido pela autarquia estadual, na lista dos mais poluídos, estão os rios Tietê, Tamanduateí, Pinheiros e Cabuçu. A precariedade é também constatada nos ribeirões de Tijuco Preto, Três Barras, além dos Córregos das Águas Espraiadas, do Jaguaré, Pirajussara, do Ipiranga, dos Couros, dos Meninos e de Itaquera. Neste mapeamento, é verificada que a maior parte fica na região da Grande São Paulo, onde existe um significativo adensamento populacional. 

https://cidadaosdomundo.webnode.com/_files/200000501-8502b85fc8/Tamanduate%C3%AD_Sucena2013.jpg

Legenda: Rio Tamanduateí é um dos mais poluídos em São Paulo

Esses dados ressaltam que a complexidade da gestão das águas é ainda maior, como já destaquei no artigo anterior “Como entender a gestão das águas, no estado de SP (parte 1)”. Mais um ingrediente de peso entra neste mosaico de atribuições, que é a fiscalização da qualidade e disponibilidade hídrica de nossos rios e reservatórios, que sofrem com a pressão crescente da poluição e dos eventos extremos, principalmente nas regiões metropolitanas.

A competência no estado paulista é da CETESB e esta incumbência vigora desde 1974, ou seja, há exatos 40 anos. Nas últimas décadas, de acordo com o órgão, são monitoradas 22 unidades de gerenciamento de rios e reservatórios, com um total de 356 pontos de amostragem. No início, eram somente 47 pontos.  

Segundo a autarquia paulista, um aspecto complicador que vigora são os lançamentos de esgotos domésticos in natura, que correspondem a 90% de coleta, sendo que somente 60% são tratados no estado. Essa situação representa ainda uma das principais causas da poluição das águas no estado, que não deverá ter solução imediata. As responsabilidades nesta deficiência cabem a diferentes atores, desde o cidadão que deve fazer sua ligação à rede coletora às prefeituras e ao estado, quanto à implementação da rede de infraestrutura.   
 

Segundo a Secretaria Estadual de Saneamento e Recursos Hídricos, o prazo para a universalização do tratamento de esgoto nos municípios do Litoral Paulista deverá ocorrer até 2018, enquanto que no estado de São Paulo, somente em 2020. Para isso uma das medidas previstas é a construção de mais Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs).

De maneira geral, os menores índices de tratamento de esgoto são registrados na região da Mantiqueira, da Baixada Santista e do litoral Norte. Já as melhores coberturas têm como destaque a área dos rios Sapucaí/Grande e Aguapeí.

Somada a essa questão de saneamento ambiental, um dos dados mais relevantes que constam no relatório anual do ano passado, se refere ao quadro ascendente de estiagem em relação aos anos anteriores. O levantamento registra que, no estado de São Paulo, em especial, no mês de agosto, as precipitações foram menores que 10 mm. O período mais úmido, iniciado em outubro e terminado em março, também se apresentou mais seco que o historicamente observado, com redução significativa nas precipitações nos meses de janeiro e dezembro. Este quadro altamente preocupante se acentuou em 2014, apontando um quadro crítico de abastecimento, que é outro ângulo, que será objeto do próximo artigo.

Para saber como anda a situação dos corpos d´água paulista, desde 1978, a consulta pode ser feita no site: https://www.cetesb.sp.gov.br/agua/aguas-superficiais/35-publicacoes-/-relatorios. No banco de dados, há ainda as avaliações das águas salgadas e salobras da costa do estado, desde 2010.

Veja outros artigos que escrevi no Blog, sobre a questão das águas:

14/10/2013  Água: um bem depreciado na sociedade do desperdício
22/03/2013  Água pura…quero ver-te
24/08/2012  Coleta e tratamento de esgoto: como será quando chegarmos a 2050?
07/06/2012  Rumo à Rio+20: o valor oculto da água
23/05/2012  Nota: Saneamento está interligado a outras infraestruturas
23/05/2012  Riomais20 – Como tratará da realidade da África Subsaariana?
19/10/2011  Recursos hídricos: uma pauta para a Rio+20
19/10/2011  Esgoto: o calcanhar de aquiles do Brasil
28/10/2011  Por dentro do saneamento básico
28/10/2011  Trata Brasil estuda projeto de educação para o saneamento
28/07/2011  Atenção às nossas águas

Crédito da foto acima: Sucena Shkrada Resk/2013

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Como entender a gestão das águas, no estado de SP (parte 1)

15/08/2014 18:37

Por Sucena Shkrada Resk

Compreender como funcionam os mecanismos internos de gestão das águas e qual é o grau de participação da sociedade, em parte, facilita a cobrança feita por qualquer um de nós, como cidadãos, da melhoria da atuação dos órgãos públicos, na gestão desses recursos. Para entender este quebra-cabeças, um bom exercício é ter como base o estado de São Paulo. A primeira informação interessante a saber é que os recursos hídricos paulistas estão incorporados à gestão de 21 Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs), criados na década de 90, que têm papel deliberativo, no tocante ao empenho dos recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro), reembolsáveis e não reembolsáveis, que dá o suporte financeiro à aplicação da Política Estadual de Recursos Hídricos.

Os CBHs são formados por representantes do governo do estado, das prefeituras e da sociedade civil organizada e ainda há as figuras de convidados. São 18 em cada esfera. Os colegiados mantêm câmaras técnicas, que têm como atribuição subsidiar as decisões do colegiado.

Em termos populacionais, o comitê que cobre a maior demanda, cerca de 20 milhões de pessoas, é o do Alto Tietê, que é composto pelos seguintes subcomitês:

– Subcomitê Cotia- Guarapiranga: Cotia, Embu, Taboão da Serra, Itapecerica da Serra, Embu-guaçú, São Paulo, São Lourenço da Serra e Juquitiba;

– Subcomitê Billings- Tamanduateí: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e São Paulo;

– Subcomitê Tietê- Cabeceiras: Mogi das Cruzes, Ferraz de Vasconcelos, Itaquaquecetuba, Poá, Suzano, Biritiba-Mirim, Salesópolis, Guarulhos, Arujá e São Paulo;

– Subcomitê Juqueri- Cantareira: Cajamar, Francisco Morato, Franco da Rocha, Caieiras, Mairiporã e São Paulo;

 – Subcomitê Pinheiros- Pirapora: Pirapora de Bom Jesus, Santana de Parnaíba, Itapevi, Barueri, Osasco, Carapicuíba, Jandira e São Paulo.

O colegiado formou um braço executivo descentralizado, que é a Fundação Agência da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, o qual é responsável pela licitação de serviços de milhões de reais, cuja destinação também pode ser acompanhada na página eletrônica:   https://www.fabhat.org.br/site/index.php?option=com_frontpage&Itemid=1.

Um dado interessante, nesta complexidade de informações, é que por meio da decisão dos CBHs, podem ser beneficiados desde pessoas jurídicas de direito público, da administração direta ou indireta do Estado e dos municípios a consórcios intermunicipais e instituições de ensino superior e entidades especializadas em pesquisa, desenvolvimento tecnológico públicos e capacitação de recursos humanos, no campo dos recursos hídricos. Não é um poder a ser desprezado. Para as suas deliberações, também são assessorados por grupos técnicos.

No site dos CBHs, é possível acompanhar as deliberações e no do Fehidro, há um espaço para o cidadão, em que é possível fazer cruzamento de solicitações de dados para verificar o andamento de processos. Mas este é um detalhe que um contingente mínimo de pessoas tem conhecimento. Bem, a partir daí, já existe um bom material para consulta, o que geralmente fica delimitado na rede de burocracias, por falta de melhor divulgação.

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Ebola: uma emergência mundial sem fronteiras, por Sucena Shkrada Resk

14/08/2014 14:51

As emergências mundiais em saúde se alternam de tempos em tempos e hoje, sem dúvida, a incidência do vírus Ebola na região ocidental do continente africano, é o que mais causa apreensão. São mais de mil mortes e 1,8 mil casos até agora registrados, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A atual epidemia começou na Guiné e já apresenta ocorrências na Libéria e em Serra Leoa, tendo grande potencial para se alastrar a outros locais do mundo.

A ciência ainda engatinha nas respostas sobre o tratamento da doença. Nesta semana, no entanto, foi anunciada uma descoberta importante, que pode ajudar nos avanços das pesquisas. É sobre a proteína ‘VP24’ que impede a ação imunológica da molécula do interferona no organismo, nas pessoas infectadas. O estudo é uma parceria da Escola Icahn de Medicina em Mount Sinai, em Nova York, com o Centro Médico Sudoeste da Universidade do Texas, divulgada na revista Cell Host & Microbe, segundo a Agência EFE.

O Brasil está em estado de alerta, por meio da Secretaria de Vigilância Sanitária (ANVISA),  por causa da vinda de navios do continente africano para cá. A medida a ser tomada, de acordo com o órgão, é da adoção de quarentena da tripulação e ocupantes da embarcação por 21 dias (prazo estimado de incubação do vírus). O alto grau de letalidade da doença fez também com que a OMS autorizasse, nesta semana, o uso em humanos de um medicamento testado com finalização de efeitos sobre o organismo até agora somente em animais.

A empresa farmacêutica responsável é a Mapp Biopharmaceutical , que deverá distribuir gratuitamente um lote do “Zmapp’, ao governo da Libéria. Dois funcionários humanitários norte-americanos, que receberam a administração do medicamento, apresentaram melhoras. Já um padre espanhol veio a falecer, no país africano, mesmo com a adoção do medicamento. A questão em aberto é que não se sabe ainda os possíveis efeitos colaterais.

Praticamente quatro décadas em busca de respostas

Historicamente os surtos do ebola começaram em 1976, em Nzara, no Sudão, e em Yambuku, na República Democrática do Congo, e depois se espalhou a outros países, principalmente em aldeias remotas na África Central e Ocidental, nas proximidades de florestas tropicais. Segundo a OMS, o contato com chipanzés, gorilas, morcegos, macacos, porcos-espinhos e antílopes florestais infectados desencadearam a propagação a humanos, que também podem contaminar, por sua vez, outros humanos. Isso acontece por meio do contato próximo com o sangue, as secreções  ou outros tipos de fluídos corporais de animais infectados. Já a porta de entrada entre os humanos são as mucosas ou aberturas na pele. Os especialistas ainda alertam que os produtos de origem animal (sangue e carne) devem ser bem cozidos antes do consumo.

Um dos dados mais alarmantes sobre a doença é que homens que se recuperam da mesma ainda podem transmitir o vírus por meio do seu sêmen até sete semanas após a recuperação.

Quem é infectado tem como sintomas, febre, fraqueza intensa, dores musculares, dor de cabeça e dor de garganta. O quadro se agrava com vômitos, diarreia, chegando à hemorragia interna e externa, com elevação das enzimas hepáticas e baixa das plaquetas. Esses sinais se assemelham aos de outras patologias, possibilitando diagnósticos errados. Por isso, segundo a OMS, devem ser descartadas outras doenças como cólera, febre tifóide, malária e meningite.

Para a detecção do vírus Ebola, os testes laboratoriais são essenciais. Entre eles, estão o chamado Elisa e os testes de detecção de antígeno.

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Rubem Alves e a Escola da Ponte: a desconstrução de paradigmas, por Sucena Shkrada Resk

13/08/2014 17:43

“Quero uma escola retrógrada…em que a aprendizagem e o ensino sejam um empreendimento comunitário, uma expressão de solidariedade…e não uma linha de montagem”. Compreender o sentido amplo destes anseios de Rubem Alves (1933-2014) requer a libertação de amarras conceituais e fazer uma imersão no ‘desaprender’ e no ‘desensinar’, como dizia o educador. 

E tudo começa em maio de 2000, na Vila das Aves, em Negrelos, Portugal, quando o desejo se tornou realidade. Um dia para nunca mais ser esquecido. Sensação que o psicanalista, pedagogo e escritor mineiro teve e transmitiu aos seus leitores ao conhecer a Escola da Ponte. Ele ficou ‘apaixonado’ pelo que vivenciou ao se deparar com a quebra prática de paradigmas dos conceitos herméticos de educação, em uma instituição pública criada nos anos 70, sem o modelo hierárquico, em que os protagonistas são os alunos de educação básica, e que sobrevive ao modelo tradicional.

A experiência resultou em cinco crônicas que Alves publicou primeiramente no Correio Popular de Campinas, que depois compuseram a sua obra ‘A Escola com que Sempre Sonhei sem Imaginar que Pudesse Existir’, pela Papirus Editora, em 2012, que chega agora à sua 13ª edição. São textos que emocionam por traduzir como um homem da academia consegue se despir de todos os seus títulos e reconhecer na simplicidade a forma mais refinada do universo educacional. No alto de sua maturidade, se dedicou a escrever e conviver com os pequenos. “A velhice me abriu os olhos…Crianças têm um olhar encantado…Seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os gregos, era o início do pensamento: a capacidade de se assombrar com o banal…”, dizia.

Para encontrar sentido em sua fala, há mais um trecho de sua obra, que é bem ilustrativo neste sentido, quando diz – “…Gente de boa memória jamais entenderá aquela escola. Para entender é preciso esquecer quase tudo o que sabemos. A sabedoria precisa de esquecimento. Esquecer é livrar-se dos jeitos de ser que se sedimentaram em nós, e que nos levam a crer que as coisas têm de ser to jeito que são. Não. Não é preciso que as coisas continuem a ser do jeito como sempre foram…”.

O livro ainda tem textos de Ademar Ferreira dos Santos (educador da Escola da Ponte), do jornalista Fernando Alves, de Pedro Barbas Albuquerque e de José Pacheco, um dos precursores da instituição, além do Centro de Formação Camilo Castelo Branco, localizado na Vila Nova de Famalicão, em Portugal. Os relatos contribuem para a compreensão dos princípios que regem essa forma arrojada de enxergar o propósito da educação.

Rubem Alves definiu o que presenciou e ouviu  na Escola da Ponte como um momento de ‘iluminação’, que segundo ele, ocorre quando acontece o lapsus (a queda, segundo a psicanálise), uma fratura no discurso lógico.

Isso se deu ao ouvir de uma criança, com autonomia, a apresentação da escola e que com desenvoltura e com uma clareza desconcertante responder às suas perguntas. Em salas amplas, o educador avistou a multiplicidade de alunos ‘pequenos’ e grandes’ (incluindo colegas com síndrome de down) compartilhando um mesmo espaço, que não seguiam um conteúdo curricular produzido e regras de convivências pelos adultos, mas por eles mesmos. O desprendimento era tanto, que no quadro de avisos, as crianças se sentiam à vontade para colocar seus nomes quando tinham necessidade de ajuda em dado tema e no outro, se dispondo a ajudar.

Vários professores convivem com os estudantes em um único espaço, na Escola da Ponte. Lá não existe a figura de um único educador para cada disciplina. Pode-se se dizer que as mesmas se mesclam e são construídas pela leitura dos alunos constituída do prazer que têm por aprender ângulos dos temas de conhecimento que os tocam, a partir das próprias experiências e pesquisas.  Rubem Alves faz a seguinte observação sobre este modelo de transversalidade – “…que a ciência que se aprende a partir da vida, não é jamais esquecida”. E após ler o seu relato e conhecer um pouco mais sobre essa unidade de ensino portuguesa, que já tem adeptos em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, é possível compreender como é possível fazer releituras importantes que cheguem mais próximo do que é uma educação cidadã e democrática.

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk 



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Resíduos sólidos: São Paulo aprovou seu plano municipal, e agora…?, por Sucena Shkrada Resk

11/08/2014 19:40

São Paulo, apesar de ser um município com porte de estado e a sexta cidade mais populosa mundialmente, só agora instituiu seu Plano de Gestão Integral de Resíduos Sólidos, depois de reelaborar uma primeira versão de 2010. A legislação foi aprovada após quatro anos da Política nacional no setor. Hoje a capital paulista tem mais de 11,2 milhões de habitantes, que representam 5,9% da população nacional e é dividida em 32 subprefeituras e 96 distritos bem distintos, que deverão gerenciar um total de 20,1 mil toneladas de resíduos/dia, sendo a maior parcela domiciliar, responsáveis por 14% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) na cidade. Esse volume é dividido em fração orgânica compostável (51%), resíduos recicláveis (35%) e rejeitos (14%). A meta é que em até 20 anos sejam reduzidos de 98,2% para 20% o volume de lixo despejado nos aterros sanitários.

Segundo a Prefeitura, para este ano está sendo alocado o montante de 2,01 bilhões de reais para essa gestão. Os maiores gastos se referem a dois contratos de concessão (R$ 947 milhões) e aos serviços de limpeza urbana (R$ 893 milhões).

A maior parte do volume dos resíduos do município é destinada ao Aterro de Caieiras (particular) e para a Central de Tratamento de Resíduos Leste (CTL), que é pública e localizada na zona Leste de São Paulo, no bairro de São Matheus. São Paulo ainda tem de cuidar de um passivo ambiental, que são os aterros encerrados Bandeirantes e São João, onde há extração de biogás em parceria com a iniciativa privada. Parte da produção se reverte em energia distribuída à rede e já gerou verba também para a prefeitura fazer contrapartidas de benfeitorias socioambientais no entorno. Uma das propostas ainda não implementadas é de um parque linear na região de Perus, que também deverá ter recursos do governo federal.

Coleta seletiva

A coleta seletiva é um grande gargalo na cidade a ser superado, com uma cobertura atual de 1,8%, segundo Julia Moreno Lara, gerente da Autarquia Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb), que substituiu a Limpurb. Isso acontece apesar de haver a coleta seletiva em algumas ruas dos 75 dos 96 distritos da cidade, com caminhões compactadores ou caminhões-gaiola operados por cooperativas. “A adesão é muitas baixa mesmo atingindo 46% dos domicílios da cidade. Esses materiais são encaminhados para triagem de 22 cooperativas conveniadas à prefeitura e a mais 48, a título precário”, diz. No município hoje existem 1,5 mil Pontos de Entrega Voluntária (PEVs ) e 73 ecopontos. A meta é implementar 140 Ecopontos até o final de 2016, e 300  até 2020.

O Plano tem como meta aumentar a coleta seletiva para 10% até 2016, atingindo os 96 distritos da cidade. Neste período, também deverão ser definidos os termos de compromisso do sistema de Logística Reversa e implementação e operacionalização do retorno de produtos pelos fabricantes.

O pequeno percentual hoje coletado segue atualmente para duas centrais de resíduos secos instaladas recentemente no bairro da Ponte Pequena e em Santo Amaro, e até 2016, estão programadas as inaugurações de mais duas. “Em cada uma há 70 catadores remunerados”, explica a gerente. A relação com esses trabalhadores, no tocante à parte social e de geração de renda,  tem um longo caminho a ser percorrido, tendo em vista o contexto atual. No município, segundo a prefeitura, existem 1,1 mil catadores organizados e 550 sucateiros na legalidade. Em contrapartida, estima-se que haja mais de 5 mil operando na ilegalidade.

Compostagem domiciliar

Para otimizar o encaminhamento dos resíduos aos aterros sanitários, foi iniciado um trabalho voltado para a compostagem, ainda de forma tímida, com o Programa Composta São Paulo http://www.compostasaopaulo.eco.br, que está selecionando 2 mil domicílios inscritos por famílias interessadas da população, para receberem um kit e participar de oficinas de como manter a composteira caseira.

Vale lembrar que historicamente São Paulo teve dificuldades nas últimas décadas em gerenciar um serviço de compostagem municipal, tendo de encerrar as atividades da Usina de Compostagem que era localizada, na vila Leopoldina, devido a problemas de gerenciamento. A saída encontrada agora é de prever que até 2033, 30% dos paulistanos deverão tratar em casa os resíduos orgânicos domiciliares.

Mais desafios

Diminuir a quantidade de resíduos da construção civl também é mais um ponto importante a ser solucionado.  De acordo com dados presentes no documento, das 532 mil toneladas removidas pelo poder público (cerca de 10% da geração), no ano 2012, 75% foram encontradas irregularmente em 4.500 pontos viciados, que acabam prejudicando a população local. Outros 25% tiveram de ser removidos de 52 Ecopontos, onde foram colocados indevidamente. Mais um desafio será caracterizar adequadamente 37 mil toneladas de resíduos da saúde produzidos no município, segundo Julia.

O que se pode observar é que diante da complexidade da gestão dos resíduos na capital, será fundamental ampliar o escopo de fiscalização dos serviços. Medidas de georreferenciamento, além de  aumento de efetivo são expostas no plano. A legislação municipal também determina que o Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cades), organizado em nível central e reproduzido em cada subprefeitura, também constituirá um fórum com representantes da sociedade civil e do governo da maior importância para o controle das atividades. Agora o que cabe ao cidadão individualmente na sua relação de responsabilidade compartilhada, é diminuir a geração de resíduos, fazer a separação adequada dos resíduos, e acompanhar e cobrar o cumprimento das diretrizes.

Veja também outros artigos que escrevi sobre o tema resíduos sólidos, no blog:
08/08/2014 – Resíduos sólidos e reciclagem: catadores reivindicam mais espaço participativo
07/08/2014 – Resíduos sólidos: Portugal acabou com os seus lixões e optou pelo modelo consorciado
06/08/2014 – Resíduos sólidos: os desafios da região do ABCDMRR
01/08/2014 – O Brasil dos lixões sobre o qual ninguém gosta de falar
09/01/2013 -#Reflexão: Ir além do morde e assopra nas políticas socioambientais
10/04/2012 – E a educomunicação ambiental nas políticas públicas brasileiras?
22/03/2012 – Resíduos sólidos: Projeto mapeia aterros sanitários necessários no país
25/11/2011 – Reflexão: Audiência pública nacional sobre o Plano de Resíduos Sólidos
28/10/2011 – Por dentro do saneamento básico
30/07/2011 – Estamira partiu e deixou seu legado
15/05/2011 – Nós e a responsabilidade compartilhada s/o consumo e destinação do lixo eletrônico
26/04/2011 – A “sociedade do lixo”: 60.868.080 toneladas só em 2010
08/01/2011 – Personagens do Brasil: vozes da Várzea do Amazonas
02/09/2010 – Adaptação tem de ultrapassar a retórica
15/07/2010 – Reflexões sobre resíduos sólidos
14/06/2009  – Quantas Estamiras há por este Brasil?

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk 




Resíduos sólidos e reciclagem: catadores reivindicam mais espaço participativo, por Sucena Shkrada Resk

08/08/2014 17:44

Quatro anos após a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a reivindicação por uma relação mais inclusiva nas implementações das coletas seletivas e dos processos de triagem e reciclagem no país ainda é presente entre os catadores, segundo  Armando Octaviano Júnior, 42 anos, da Coopercata, de Mauá, e integrante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Ele foi um dos palestrantes convidados, no segundo e último dia do Seminário Internacional de Resíduos Sólidos – Grande ABC, nesta quinta-feira (7), em Mauá (SP). “Ainda vivemos em uma sociedade preconceituosa e somos humilhados há mais de 70 anos”, disse.

Segundo o Diagnóstico sobre Catadores de Resíduos Sólidos, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no ano passado, atualmente trabalham no Brasil, 400 mil catadores, e esse número sobe para 1,4 milhão, quando há a soma dos membros das famílias. A maior parcela dos catadores é formada por homens jovens, negros ou pardos, com baixa escolaridade e com renda média mensal de R$ 571,56 e 10%, de todo o contingente, são organizados em cooperativas. Neste universo, 4,5% do total destes trabalhadores estão abaixo da linha da pobreza e a situação mais vulnerável é observada no Nordeste.

Hoje a categoria recicla 504 toneladas/ano, mas o potencial de reciclagem é bem maior, de 14.487 ton/ano, de acordo com o levantamento. Por causa dessa defasagem são desperdiçados R$ 8 bilhões ao ano.

Parte desses dados reflete  que ainda há um longo caminho para o cumprimento da PNRS. A legislação estabelece que haja a integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, como também o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores. Em outro ângulo, há metas para a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores. Neste quesito, o Brasil ainda está bem deficitário (leia aqui no blog, O Brasil dos lixões sobre o qual ninguém gosta de falar). Outra meta ainda distante do cumprimento é a da inserção das cooperativas na implementação da coleta seletiva nos municípios. Estima-se que a cobertura não chegue a 5%.

Na avaliação do catador Júnior, entre os maiores desafios enfrentados pela categoria atualmente, estão o da conquista da ampliação de acesso à qualificação profissional e de extinção da permanência ainda significativa da figura dos atravessadores. Projetos polêmicos do ponto de vista socioambiental e de geração de renda aos catadores, como os da instalação de incineradores na região do ABCDMRR, são discutidas atualmente pelo movimento com apoio de entidades socioambientais.

Segundo o cientista social e doutor em Sociologia Pedro Jacobi, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (Procam/USP), que também compôs a mesa, as políticas de incineração não podem omitir a questão dos riscos ambientais e  à saúde. “Existe o direito fundamental de precaução”, alertou.

Júnior considera importante destacar ainda que até hoje há forte presença feminina no segmento, o que exige ações mais direcionadas do poder público e da própria sociedade. Na própria Coopercata, onde atua, dos 32 integrantes, 25 são do sexo feminino. No diagnóstico publicado pelo IPEA, as mulheres representam 31,1% do total de brasileiros que se declararam ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) catadores de resíduos. O estado que apresentou maior percentual foi o do Amazonas, com 40%.

O catador expôs que mais um ponto a ser amplamente debatido é da mobilização para o incentivo à autonomia dos catadores. “Queremos ampliar a nossa formação em economia solidária, o que já desenvolvemos na prática. Também precisamos que seja respeitado o modelo de autogestão das cooperativas e haja a desburocratização (para que consigam cumprir regras nos contratos de prestação de serviços)”, afirmou Júnior. O catador reforçou ainda a necessidade da manutenção da educação ambiental, tendo o catador como agente ativo neste processo, e que esta também tenha enfoque na conscientização dos cidadãos com relação à separação correta dos resíduos a partir do ambiente doméstico.

Jacobi lembrou que a PNRS trata da responsabilidade compartilhada “Hoje nenhum de nós sabe o que paga referente ao lixo no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e não se sente responsável”, avaliou.

O  engenheiro civil e Mestre em Engenharia Hidráulica Sanitária, Mario Russo, que coordena o Instituto Politécnico de Viana de Castelo, em Portugal, trouxe informações ao debate, em escala mundial. Ele explicou que a exposição de catadores a materiais perigosos é mais um aspecto relevante a ser considerado. “Ainda há lixões e exposições a materiais perigosos, com características explosivas, oxidantes, inflamáveis, tóxicas e carcinogênicas, como também com componentes patológicos, que podem estar presentes em fezes de gatos e cães. E essa contaminação pode atingir, inclusive, quem vive nas proximidades destes resíduos”.

Veja também outros artigos que escrevi sobre o tema resíduos sólidos, no blog:

07/08/2014 – Resíduos sólidos: Portugal acabou com os seus lixões e optou pelo modelo consorciado
06/08/2014 – Resíduos sólidos: os desafios da região do ABCDMRR
01/08/2014 – O Brasil dos lixões sobre o qual ninguém gosta de falar
09/01/2013 -#Reflexão: Ir além do morde e assopra nas políticas socioambientais
10/04/2012 – E a educomunicação ambiental nas políticas públicas brasileiras?
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15/05/2011 – Nós e a responsabilidade compartilhada s/o consumo e destinação do lixo eletrônico
26/04/2011 – A “sociedade do lixo”: 60.868.080 toneladas só em 2010
08/01/2011 – Personagens do Brasil: vozes da Várzea do Amazonas
02/09/2010 – Adaptação tem de ultrapassar a retórica
15/07/2010 – Reflexões sobre resíduos sólidos
14/06/2009  – Quantas Estamiras há por este Brasil?

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk 




Resíduos sólidos: Portugal acabou com seus lixões e optou pelo modelo consorciado, por Sucena Shkrada Resk

07/08/2014 10:34

Não existe país no mundo que esteja isento de problemas a solucionar diariamente com relação à geração e destinação de seus resíduos sólidos. Portugal não foge à regra e optou por criar um sistema de gestão consorciado entre seus municípios e tem um Plano Nacional (2011-2020) em vigor. Mas as iniciativas começaram bem antes. Para acabar totalmente com os lixões e substituí-los por aterros sanitários, o processo demorou seis anos, entre 1996 e 2002, como conta Carlos Martins, coordenador do Plano Estratégico de Resíduos Sólidos de Portugal. As mudanças ocorreram gradativamente e hoje estão sob um grande guarda-chuva, que é a Agência Portuguesa de Ambiente. As infraestruturas públicas ainda são fiscalizadas pela União Europeia.

“Para encontrarmos as soluções, optamos por planos setoriais (aterros sanitários, compostagem, incineração…e outros de fluxos específicos, como destinação correta de óleos usados, pneus usados, de embalagens, pilhas e de desconstrução, trituração e descontaminação de sucatas de veículos, no processo de logística reversa”, explica.  Para implementar as ações no setor de resíduos, foi criado um fundo perdido em soluções multimunicipais e intermunicipais, com cobertura de até 85% nos primeiros três anos. “Com esse incentivo, 100% dos municípios aderiram ao programa e hoje existem 22 consórcios e cada um é gerido por uma empresa criada para este fim. Individualmente a cada cidade só cabe a administração do serviço de coleta.

A relação mais próxima dos serviços públicos ao cidadão português no ciclo dos resíduos é semelhante a muitas localidades no Brasil. Existem o ecocentros (equivalentes aos chamados ecopontos por aqui) e o que identificam como ecopontos em Portugal, são, na verdade, os recipientes coletores comuns encontrados nas ruas, que são encontrados com facilidade, a um distância máxima um do outro, de 250 metros.

O engenheiro civil e Mestre em Engenharia Hidráulica Sanitária, Mario Russo, que coordena o Instituto Politécnico de Viana de Castelo, explica que a União Europeia começou a focar a questão dos tratamentos de resíduos a partir de 1975. “Existe uma legislação geral  e cada estado-membro a transforma com pequenas nuances locais em legislações nacionais. Em 2006, a lei do bloco sofreu uma atualização com definições mais precisas sobre resíduos e seus subprodutos  e  essas regras mais claras facilitaram os investimentos no setor”, avalia.

As metas de reciclagem da Agência Europeia de Ambiente são ambiciosas, sendo de 50% de todo resíduo sólido urbano até 2020. Por materiais, as diretrizes são de 60% para o vidro e papel, 50% para os metais, 15% para a madeira e 22,5% para o plástico. Portugal tem um desafio à frente para cumprir. A pressão sobre o consumo também é outra estratégia em andamento. O Parlamento Europeu, em abril deste ano, definiu que os países do bloco deverão executar planos para a redução em pelo menos 80% do consumo de sacos de plástico leves até 2019. A medida está sendo tomada porque anualmente oito milhões de sacos plásticos se transformam em resíduos por lá. Uma das maiores preocupações é com a poluição com o ambiente marinho.

Esses tipos de materiais utilizados para abrigar alimentos secos, a granel deverão ser substituídos por sacos de papel de papel reciclado ou de plásticos muito leves biodegradáveis e compostáveis.

Martins e Russo falaram a respeito da condução das políticas públicas sobre resíduos em Portugal, nesta quarta-feira (6), durante o Seminário Internacional Resíduos Sólidos Urbanos – Grande ABC 2014, em Mauá (SP), que termina hoje. O evento é uma realização do Consórcio Intermunicipal Grande ABC, organizado pela Prefeitura de Mauá em parceria com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

Veja também outros artigos e matérias que escrevi sobre resíduos sólidos no Blog:

06/08/2014 – Resíduos sólidos: os desafios da região do ABCDMRR
01/08/2014 – O Brasil dos lixões sobre o qual ninguém gosta de falar
19/06/2014 – Japão: o lixo não é um problema do outro
09/01/2013 -#Reflexão: Ir além do morde e assopra nas políticas socioambientais
10/04/2012 – E a educomunicação ambiental nas políticas públicas brasileiras?
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*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



RESÍDUOS SÓLIDOS: OS DESAFIOS NA REGIÃO DO ABCDMRR, POR SUCENA SHKRADA RESK

06/08/2014 19:00

A região do ABCDMRR, no estado de São Paulo, que engloba os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e de Rio Grande da Serra, gera 2.138,3 toneladas diariamente de resíduos sólidos, segundo o Plano de Gestão Integrada do setor. Esse volume tem como destino o Aterro Sanitário Lara (particular), em Mauá, com exceção de Santo André (493,8 ton/dia desse total), que mantém um aterro municipal, reaberto em março deste ano, após uma obra de ampliação que durou cinco meses. Do total de geração de mais de 2,5 milhões de habitantes e das indústrias, estima-se que 662,9 toneladas/dias são passíveis de reciclagem, mas somente 5% são encaminhados para reciclagem. Esse é o quadro atual após quatro anos da publicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

Cinco dos sete municípios também já estabeleceram os seus Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, o que é uma exigência da legislação federal, para a gestão da política. Agora, estão na etapa de implementação. A exceção fica por conta de Diadema (que já divulgou um relatório final do documento) e de Rio Grande da Serra, que ainda não aprovaram suas legislações específicas.

A gestão conjunta dos resíduos por meio do Consórcio Intermunicipal Grande ABC é uma discussão que vem sendo amadurecida nos últimos anos, e está mais detalhada no Plano Plurianual Regional 2014/2017. Segundo o documento, os sete municípios deverão adotar uma solução regionalmente integrada com ampliação da coleta seletiva, reutilização e reciclagem dos resíduos sólidos e incorporação das cooperativas de catadores; além de medidas de educação ambiental para a conscientização da população e de otimização das ações de controle e fiscalização de descarte irregular.

Na região, algumas das cooperativas em funcionamento são a Cooperluz e a Cooperativa Raio de Luz, em São Bernardo do Campo; a Cooperlimpa, em Diadema; a Coopercata, em Mauá, e a Cooperpires, em Ribeirão Pires. As cinco integram a Coopcent ABC, que reivindica maior participação no processo da execução dos projetos de coleta seletiva.

Esse é o contexto no ABCDMRR, no primeiro dia do Seminário Internacional de Resíduos Sólidos Urbanos Grande ABC 2014, organizado pela Prefeitura de Mauá e pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), que teve início hoje, no Teatro Municipal de Mauá, e prossegue até amanhã.

Conheça mais sobre os planos municipais regionais:

Santo André

São Bernardo do Campo

São Caetano do Sul

Ribeirão Pires

Veja mais a respeito do tema resíduos sólidos, que escrevi no Blog:

01/08/2014 – O Brasil dos lixões sobre o qual ninguém gosta de falar
19/06/2014 – Japão: o lixo não é um problema do outro
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15/07/2010 – Reflexões sobre resíduos sólidos
14/06/2009  – Quantas Estamiras há por este Brasil?

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk
Atualizado às 20h08, de 06/08/2014


ONU alerta que há evidências de crime de guerra em Gaza, por Sucena Shkrada Resk

05/08/2014 18:15

A Segunda Guerra Mundial  (1939-1945) foi um divisor de águas na história dos marcos legais internacionais dos direitos humanos por seus efeitos. A definição de crimes de guerra a partir deste período histórico começou a figurar na Convenção de Genebra criada em 1864. O que se vê em 2014 é que os conflitos do século XXI rumam a este caminho violento novamente com a série de atrocidades registradas contra civis principalmente palestinos, que ocorrem nas últimas semanas, na região da Faixa de Gaza, no conflito liderado pelo governo israelense (país criado em 1948 pelo povo judeu) e o grupo político e de resistência islâmica Hamas. Navi Pillay, Alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, alertou  nesta terça-feira (5), que Israel deve assumir suas responsabilidades pelas “crescentes evidências de crimes de guerra cometidos pelo seu exército”.

Especialistas discutem a possibilidade de Israel ser denunciado ao Tribunal Internacional de Haia, por causa do quadro de violência instalado, mas ainda não há consenso entre o Conselho de Segurança da ONU. Mortes de adolescentes civis e capturas de soldados israelenses e abertura de túneis, de Gaza em direção a Israel, são os principais argumentos utilizados por Israel para a sucessão de bombardeios em território palestino. O Hamas ataca com mísseis o adversário, argumentando a defesa da população de Gaza, que fica localizada em cerca de 40 quilômetros de extensão, entre Israel, o Mar Mediterrâneo e o Egito, com aproximadamente 365 quilômetros quadrados. Hoje nesta pequena área vulnerável, onde vivem 1,8 milhão de pessoas,  pelo menos 21% de sua população já vivem em extrema pobreza.

Os bombardeios israelenses até agora não eximiram cidadãos que estavam em escolas – 142 até agora -, hospitais, campos de refugiados, suprimentos de energia e água para a população palestina daquela região. Segundo a ONU, centenas de milhares de palestinos tiveram de se deslocar em função do conflito e três mil residências foram destruídas.

Já foram registradas aproximadamente 1,9 mil baixas palestinas, incluindo crianças, mulheres a idosos e, por vezes, famílias inteiras foram dizimadas. Do lado israelense, fontes oficiais confirmaram a morte de 64 soldados e de três civis. Uma nova tentativa de cessar-fogo, mediada pelo governo do Egito, começou hoje. Mas o cumprimento de ambas as partes é rodeado de incertezas, já que as anteriores foram malsucedidas.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU criou a comissão para investigar as possíveis violações, desde o último dia 23 de julho. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), mais de 400 crianças palestinas foram mortas até agora, 2.502 feridas, e um número aproximado de 370 mil precisam com urgência de apoio psicológico por presenciar eventos extremos de violência.

O sistema de saneamento entrou em colapso na região do território palestino e há o risco iminente de casos de diarreia, entre outras doenças, que podem ser fatais para crianças menores de cinco anos. A cobertura jornalística por lá também está bem vulnerável, hoje a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) informou que já são seis profissionais de mídia palestinos mortos, vítimas também dos bombardeios.

Como é período de verão em Gaza, as temperaturas excedem a 30 graus, o que complica mais a situação de insalubridade, segundo representantes da organização Médico Sem Fronteiras. O principal hospital da região, Al Shifa, além de outras importantes retaguardas, como os hospitais Al Aqsa, Beit Hanoun e Europeu foram bombardeados, aumentando a instabilidade. Na região, também atuam outros grupos humanitários, como o Crescente Vermelho e a Cruz Vermelha. A ONU criou a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA).

Veja também outros artigos que escrevi no Blog:

01/07/2014 – Uma relação humana mundial a ser repensada: número de refugiados aumenta

09/03/2014 – Uma Ucrânia remexida em suas raízes

16/02/2014 – Os seres humanos que roubam sonhos

21/09/2012 – Refugiados: o quanto compreendemos dessa realidade?

07/08/12 – Políticas fragmentadas e mudanças climáticas intensificam crise na África

10/03/12 – Refugiados climáticos: do alerta ao fato

09/11/2011 – Refletindo sobre o Estado do Futuro

07/08/2011 – O que se fala sobre vulnerabilidade climática (parte 1)

31/07/2011 –  Um diálogo com a Ecosofia

22/07/2011 – Alerta sobre o flagelo africano

28/06/2010  – A relação das APPs e as enchentes nordestinas

01/02/2010 –  Esp.FSM 2010 – Qual é a nossa conjuntura ambiental?,

10/12/2009 – Especial COP15 – Lembrem bem deste nome – Tuvalu

06/12/2009  – Copenhague vira o centro do planeta

29/11/2009 – O caminho da economia verde

13/09/2009 – Qual ‘casa’ podemos construir para nós?

18/05/2009 – Especial II FCS – 3 – Um jornalismo mais comprometido

10/12/2008 – DHs: começam pelo princípio de dar dignidade à vida

01/04/2008 – Parte 1 – No caminho da Política Nacional de Mudanças Climáticas

05/09/2007 – As fronteiras das zonas de conflito

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk 



Da terra do Sol nascente ao Brasil: quando a natureza se ‘veste’ de rosa, por Sucena Shkrada Resk

04/08/2014 20:25

Crédito das fotos: Sucena Shkrada Resk 

https://cidadaosdomundo.webnode.com/_files/200000500-ea9d4eb96f/FestadasCerejeiras030814PqCarmo_Sucena%20(7).jpgO céu de brigadeiro é o pano de fundo para um bosque forrado de cerejeiras em flor, cujas pétalas com o sopro do vento forram o gramado, com esse tapete natural. A visão é deslumbrante. O rosa suave se mescla a um tom mais intenso e a composição deste cenário, mantido no bosque do Parque do Carmo, na zona Leste de São Paulo, desde 1975, nos remete a outro lado do mundo: o Japão. Milhares de quilômetros de distância se aproximam com essa suavidade que encanta os ocidentais, proporcionada pela rica tradição oriental trazida pelos imigrantes e cultuada por várias gerações que aqui nasceram. São poucos dias de encantamento em agosto, mas que ficam perpetuados nas memórias e nas imagens captadas por quem um dia tem esta experiência e a repete, como eu.

Bosque das Cerejeiras, no Pq do Carmo - crédito Sucena Shkrada Resk
Bosque das Cerejeiras - Pq. do Carmo - crédito: Sucena Shkrada Resk

Na terra do sol nascente, muitas vezes também chamada do sol poente,  a sakura, como é mais conhecida, se tornou um símbolo nacional, a partir do século VII, e anuncia a chegada da Primavera, neste país com temperaturas tão extremas e resiliente, que foi o único no mundo a ser atingido por bombas atômicas na Segunda Guerra Mundial. Contemplar o belo é metaforicamente uma maneira de trazer bons fluídos à vida. Estima-se que haja mais de 300 variedades por lá e as espécies matrizes dessas rosáceas, do gênero prunus, têm sua origem na China e na Índia. Por aqui, os imigrantes japoneses cuidam desse pequeno universo oriental, que atualmente conta com cerca de 4,1 mil pés de cerejeiras, de acordo com o presidente da Federação Sakura e Ipê do Brasil, Pedro Yano. As variedades aqui cultivadas são a yukiwari, a himalaia, a oshima e a okinawa e cada uma tem sua época específica de florada.

Ficar sob essas árvores as contemplando (ritual do hanami) ou fazendo um piquenique são atitudes tradicionais dos japoneses, que foram incorporadas pelos nipônicos e pelos brasileiros que aprendem a cultura. Uma das cenas mais agradáveis de observar é a de anciãos, que participam destas vivências. Alguns, inclusive, com bengalas, não se intimidam em subir a pequena área íngreme para chegar ao bosque. Ao flagrar estes momentos, fica fácil compreender o quanto respeitam a natureza, que se veste de rosa, porque há um esforço coletivo para que isso aconteça. É a versão tropical ao vivo de trechos do clássico ‘Sonhos’, de Akira Kurosawa, de 1990. 


*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk

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O Brasil dos lixões sobre o qual ninguém gosta de falar, por Sucena Shkrada Resk

01/08/2014 15:56

Lixão Estrutural - Crédito: MNCRUm odor praticamente insuportável exala e entra quase que permanentemente pelas narinas. A decomposição das matérias orgânicas se mistura a materiais recicláveis e tudo se amontoa num empilhamento desordenado.Vetores das mais variadas doenças, como ratos e baratas se abastecem, junto a microorganismos, e disputam espaço. O solo encharcado é penetrado por um líquido preto – o chorume – que vai aos poucos seguindo mais fundo, até chegar ao lençol freático. Nesse solo começa a ser gerado o gás metano e praticamente se instala um campo minado. Neste cenário dantesco e contaminado, ainda crianças, adultos e idosos tentam sobreviver, se amortecendo diariamente com esta rotina desumana, onde dos céus são observados pelos urubus que pousam em busca de seu alimento putrefado. Essa rotina faz parte de 60,5% dos 5.570 municípios brasileiros, que ainda mantêm seus lixões a céu aberto.

Após quatro anos da sanção da Política Nacional de Resíduos Sólidos e da aprovação do Plano Nacional, somente 2.201 municípios mantêm destinação correta, em aterros sanitários, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Amanhã, dia 2, quando oficialmente vence o prazo para a extinção dos lixões, essa é a situação instalada no país, sendo pior no Norte e Nordeste. Essa irregularidade se configura como um crime ambiental, e pode incorrer em até R$ 50 milhões de multa pela infração, mas por enquanto quem está sendo realmente punida, é a própria população.

Nem perto de Brasília, onde fica a sede do poder federal,  escapa do problema. Nas proximidades, fica o lixão da Estrutural, considerado um dos maiores da América Latina. 

Os planos municipais e estaduais de resíduos sólidos, que devem ser o norte da efetivação das metas estabelecidas pela PNRS também são ínfimos, consequentemente o mesmo acontece com a implementação efetiva da coleta seletiva e da logística reversa dos recicláveis, e do trabalho com catadores, restabelecendo o trabalho digno, sem humilhações. Na esfera estadual, somente Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro concluíram os seus planos, que ainda devem ser implementados.

Uma das saídas apresentadas para esse caos urbano é que as prefeituras se comprometam comTermos de Ajustamento de Conduta (TAC) estabelecidos com o Ministério Público. A possibilidade de prorrogação do prazo da PNRS, por enquanto, é descartada, de acordo com o MMA. Mas na prática a mesma já acontece, tendo em vista a dimensão dos não cumprimentos. Nesse cenário de incertezas e de ineficiência da gestão pública para administrar as questões da infraestrutura básica das cidades, se configura a prorrogação de um capítulo sem tempo determinado para acabar.

Veja também outros artigos que escrevi sobre o tema Resíduos Sólidos no Blog:

19/06/2014 – Japão: o lixo não é um problema do outro
09/01/2013 -#Reflexão: Ir além do morde e assopra nas políticas socioambientais
10/04/2012 – E a educomunicação ambiental nas políticas públicas brasileiras?
22/03/2012 – Resíduos sólidos: Projeto mapeia aterros sanitários necessários no país
25/11/2011 – Reflexão: Audiência pública nacional sobre o Plano de Resíduos Sólidos
28/10/2011 – Por dentro do saneamento básico
30/07/2011 – Estamira partiu e deixou seu legado
15/05/2011 – Nós e a responsabilidade compartilhada s/o consumo e destinação do lixo eletrônico
26/04/2011 – A “sociedade do lixo”: 60.868.080 toneladas só em 2010
08/01/2011 – Personagens do Brasil: vozes da Várzea do Amazonas
02/09/2010 – Adaptação tem de ultrapassar a retórica
15/07/2010 – Reflexões sobre resíduos sólidos
14/06/2009  – Quantas Estamiras há por este Brasil?
*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



IDH: 24 anos depois, reflete um mundo cada vez mais desigual, por Sucena Shkrada Resk

31/07/2014 14:29

O mundo contemporâneo tem um termômetro da desigualdade, que vigora há 24 anos, por meio dos relatórios do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), publicados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Apesar de ainda ser superficial, é a métrica (baseada em dados de renda, educação e saúde) mais próxima da realidade geral nos diferentes países no planeta e da constatação de que as distâncias aumentam entre as nações mais desenvolvidas e as mais exploradas e pobres historicamente.  Quando se faz uma análise dos 187 países constantes no atual documento “Sustentar o Progresso Humano: Reduzir as Vulnerabilidades e Reforçar a Resiliência”, divulgado neste mês, isso se torna mais claro e aponta em mais uma direção. Mesmo os mais avançados têm apresentado um quadro crescente de vulnerabilidade, em parte, na área socioambiental.

Numa ponta se destacam com as melhores classificações (o parâmetro é de um – mais avançado a zero – menos avançado):

1 – Noruega

2- Austrália

3- Suíça

4- Países Baixos

5 – EUA

6 – Alemanha

7 – Nova Zelândia

8 – Canadá

9 – Singapura

10 – Dinamarca
 

No outro extremo, estão:

178 – Moçambique

179 – Guiné

180 – Burundi

181 – Burkina Faso

182 – Eritrea

183 – Serra Leoa

184 – Chad

185 – República Centroafricana

186 – República Democrática do Congo

187 – Níger

Segundo o relatório deste ano,  mais de 2,2 bilhões de pessoas estão em situação de pobreza ou próxima desta condição, sendo que 1,2 bilhão de pessoas sobrevivem com 1,25 dólares ou menos por dia. Ao mesmo tempo, quase 80% da população mundial não conta com proteção social integral. É um dado grave, demonstrando que a qualidade de vida da nossa civilização está sendo prejudicada, em parte, pelas próprias atividades humanas descontroladas e predatórias. O desafio é fazer com que aumentem sua resiliência frente a tantas adversidades, que têm de ser diminuídas.

O conceito de vulnerabilidade tem um caráter transversal nos princípios do documento. Nesta categoria estão pobres, trabalhadores socialmente excluídos, além de mulheres, pessoas incapacitadas, migrantes, minorias, crianças, idosos e jovens, comunidades inteiras e regiões. A fragilidade está relacionada a diferentes condicionantes, como os desastres naturais, as mudanças climáticas, as pressões industriais a conflitos e distúrbios civis. Para se ter ideia, cerca de 1,5 bilhão de pessoas, ou seja, um quinto da população mundial vive em países afetados por conflitos.

Um dos grupos mais sacrificados é o infantil. De cada 100 crianças que vivem em nações em desenvolvimento (onde se concentram 92% de todo este contingente), sete não ultrapassam os cinco anos de idade e 50 não obtiveram seu registro de nascimento. Um total de 68 não recebeu educação na primeira infância, 17 nunca se matricularam em uma escola primária e 30 sofreram atraso no crescimento e 25 vivem na pobreza.

O mais impactante é saber que em torno de 156 milhões de crianças sofrem atraso no crescimento por causa da desnutrição e de infecções, comprometimentos relacionados com a deficiência de distribuição e produção de alimentos, geração de renda e de infraestrutura de saneamento ambiental.

Relatar numericamente esta sucessão de privações parece algo frio mas é preciso estabelecer uma conexão com rostos, histórias de vida e aí percebemos que muitas delas estão próximas em nosso próprio país, que figura na 79ª colocação (tem melhorado ao longo dos anos na região, mas longe do ideal), atrás de outros países sul-americanos, como Argentina (49ª) e Uruguai (50ª).

E o que está sendo feito para reverter este quadro, de certa forma, engessado nessa diminuição de abismos? Ações pontuais de alguns governos avançam, outras retrocedem e dependem do campo diplomático. Neste quesito, a morosidade é ainda maior, tendo como exemplo as iniciativas em curso decorrentes de negociações, durante as conferências das partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

Apesar de 195 nações estabelecerem que é preciso limitar o aumento médio de temperatura do planeta em menos de dois graus com relação aos níveis pré-industriais, as medidas efetivas para a redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) são ainda muito aquém do necessário. Os cientistas do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas já estabelecem quadros bem desfavoráveis, neste século, tendo em vista, esta falta de comprometimento mais efetivo. Nos campos da adaptação e mitigação (redução de danos), os países mais vulneráveis carecem de maior apoio dos desenvolvidos. Foram criados alguns dispositivos, como o Fundo Verde, mas o aporte financeiro ainda é bem limitado.

Um horizonte mais otimista é esperado como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada em 2012. Durante o encontro, no Rio de Janeiro, foi decidida pelos países integrantes do sistema ONU, a criação de uma Agenda Pós-2015, que está em fase de construção, com 17 temas. Estas metas deverão substituir os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, cujo prazo termina no ano que vem, e tem oito eixos voltados principalmente para o combate à extrema pobreza.

A Cúpula Humanitária Mundial está programada para 2016 e até lá pode ser que haja elementos novos para construir novos cenários, mas por enquanto, não há espaços para ufanismos e comemorações ilusórias.

Veja também outros artigos que escrevi sobre este tema no Blog:
01/07/2014 – Uma relação humana a ser repensada: número de refugiados aumenta

16/03/2014 – Mujica: um presidente que não se enquadra em estereótipos

17/11/2013 – A COP-19 e a tragédia filipina: realidade cobra eficiência da política mundial

19/03/2013 – Costa Rica: exemplo de cultura de paz e socioambiental

08/09/2010 – Precisamos nos reconhecer sul-americanos (II)

13/02/2010 – É preciso muito mais do que ortografia

06/12/2008  –  Os desafios da regionalização

03/11/2007 – Os bastidores do IDH, entre outras.

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Defaunação: uma palavra que se consolida no vocabulário ambiental, por Sucena Shkrada Resk

30/07/2014 14:53

A aceleração dos impactos antrópicos (decorrentes da ação humana) parece não ter fim e isso não se restringe somente às mudanças climáticas. Com isso, um termo cada vez mais usual na ciência é a chamada ‘defaunação’. Traduz um universo de declínio da população dos animais, contabilizando hoje 322 espécies de vertebrados terrestres extintas desde 1500; e 25% das restantes revelam que estão em processo ascendente para este fim. Caça ilegal e desmatamento são as principais causas associadas a esse quadro de decréscimo populacional. Os dados compõem a apuração feita por um grupo de cientistas, no artigo Defaunation in the Antrropocene. O estudo foi recentemente publicado pela Science.

O conjunto de informações reforça o alerta recorrente entre os pesquisadores sobre indícios da ocorrência da ‘sexta extinção em massa’ da fauna e consequente desequilíbrio envolvendo a cadeia alimentar. Entre essa série de vertebrados extintos, estão, por exemplo, os tilacinos (uma espécie de marsupial carnívoro) ou tigres da-Tasmânia. Seu desaparecimento ocorreu no final do século passado.

No grupo de mamíferos de grande porte, os mais ameaçados na atualidade são os elefantes. A situação dos animais chega a ser dramática no continente africano.  Segundo relatório da Secretaria da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens (CITES), mais de 20 mil elefantes africanos foram caçados em 2013. No mês de maio deste ano, Satao, considerado um dos maiores exemplares no continente, com 45 anos, foi morto envenenado por caçadores, segundo a Organização para a Proteção da Vida Selvagem Tsavo Trust. Ele se torna um exemplo das ações indiscriminadas pelo mundo, para a comercialização ilegal de marfim. A cadeia desse comércio ilegal envolve China, Filipinas, Malásia, Quênia, Tanzânia, Uganda, Tailândia e Vietnã.

No caso dos invertebrados, a situação também é crítica e o estudo apurou que dos 67% das populações monitoradas, 45% já estão também em declínio. Um efeito cascata sobre o funcionamento dos ecossistemas e o bem-estar humano, de acordo com a síntese do relatório.

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Perito Moreno, um gigante ainda resiliente às mudanças climáticas, por Sucena Shkrada Resk

27/07/2014 16:23

crédito e acervo pessoal de imagens: Sucena Shkrada ReskPerito Moreno - 17/04/12 - crédito: Sucena Shkrada Resk

Um traçado escuro forma uma fenda, como uma grande cicatriz, naquele imenso azul de gelo. De repente, o som é algo parecido com um grande ranger de dentes e em alguns minutos…um estrondo e o grande bloco se desprega do glaciar Perito Moreno, no Parque Nacional Los Glaciares, na Patagônia Argentina, localizada na Província de Santa Cruz. A visualização desse processo, que acontece em intervalos de meses e de anos, é inesquecível, e vivi a experiência em abril de 2012. O mais surpreendente nesta dinâmica é que esse maciço de água doce, com cerca de 250 quilômetros quadrados de superfície e com 70 metros de altura em alguns pontos, represa parte do Lago Argentino e ainda resiste às mudanças climáticas. Será uma resiliência impressa pela natureza que fala mais alto? Quem sabe?…

Perito Moreno - Patagônia - 17/04/12 - Sucena Shkrada Resk

A visão é cinematográfica. Os tons de azul mais claro se fundem com mais escuros em várias saliências. A geleira leva o nome do cientista Francisco Pascasio Moreno (1852-1919), fundador da Associação Científica Argentina, e ficou mais famosa entre os demais glaciares da região, por causa da facilidade da visualização, na entrada do próprio parque, criado em 1937. Lá percorri uma rede de acessos, com várias passarelas e escadarias. Para chegar a este trecho, como também ao do passeio em embarcação na parte do lago (para visualizar o complexo dos demais blocos), o ponto de partida é El Calafate, uma cidade hospitaleira predominantemente horizontal, com casas e montanhas. O conjunto dessa unidade de conservação argentina merece a designação de Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), concedida em 1981.

Sucena Shkrada Resk - passeio dos glaciares - 04/2012

Na parte navegável, partimos de Porto Bandeiras, e a cada momento aparecem blocos de gelo dispersos nas águas. Alguns parecem esculturas por causa dos seus formatos diferenciados. Quando vimos um grande paredão, o guia sinaliza que estamos avistando o outro ângulo de Perito Moreno. A partir daí é que se retorna ao ponto de partida da navegação. De um lado e de outro, nessa viagem, na ida e vinda, o que nos circunda são os grandes glaciares, como Upsala, Spegazzini e o imponente Viedma. Durante todo o trajeto, o frio e o vento são cortantes, mas o cenário compensa as baixas temperaturas.

Glaciares - 04/2012 - crédito: Sucena Shkrada Resk

Outras geleiras dos Andes tropicais, por sua vez, não estão resilientes, como Perito Moreto, e sofrem forte pressão dos eventos extremos. Elas ficam localizadas entre Peru, Bolívia, Equador, Colômbia e Venezuela. Um dos estudos que avalia esse cenário de alerta é o ‘Current state of glaciers in the tropical Andes: a multi-century perspective on glacier evolution and climate change’. O documento foi divulgado no periódico The Cryosphere, por um grupo de pesquisadores, em 2013.

Agora, resta saber até quando o grande glaciar patagônico resistirá à velocidade impactante das mudanças climáticas, que atinge todo o mundo.

Veja também outros artigos que escrevi no Blog a respeito desta viagem:

20/07/2014 – O condor da Patagônia argentina

30/04/2012 – Rumo à Rio+20: Um olhar sobre Perito Moreno

A caminho de Perito Moreno - 17/04/12 - Sucena Shkrada Resk

* Fiz um pequeno registro desta experiência em vídeo, que pode ser conferido em: https://youtu.be/oIcuTYEEVP8.


O condor da Patagônia argentina, por Sucena Shkrada Resk

20/07/2014 17:03

crédito e acervo pessoal de imagens: Sucena Shkrada Resk

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Ao chegar no topo do ‘mirador de los condores’, que não tem esse nome por acaso, avistei um belo ângulo da região. Além do vento, dos raios solares, da vista dos vales e de outras cadeias montanhosas, que compõem o cenário na Patagônia argentina, no entanto, lá estavam essas enormes aves de rapina belíssimas sobrevoando os pontos mais altos. Um misto de sentimentos brotou ao me deparar com essa composição da paisagem. Estava diante de uma das maiores aves do mundo e profundamente simbólica para os povos andinos. Até hoje essas lembranças são importantes para mim porque representam meu aprendizado contínuo sobre quantos motivos são possíveis elencar para a conservação da natureza.

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Algo difícil de esquecer. Apesar da máquina fotográfica não ser potente para fazer os registros, a memória ainda está bem presente. Foi em abril de 2012. Depois de alguns dias em El Calafate e de desvendar a beleza dos glaciares e, em especial, de Perito Moreno, parti para a chamada capital do montanhismo argentino, El Chaltén,  uma localidade que faz parte do complexo do Parque Nacional Los Glaciares, que se reveste de imponentes montanhas – como o cerro Fitz Roy – e lindos vales. 

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Praticamente em uma semana de permanência por lá, fiz pequenas a longas caminhadas, por diferentes trechos, num ritmo tranquilo, respeitando as minhas condições sedentárias urbanas, e pude desvendar estas sutilezas do meio ambiente.

Os condores-dos-andes (Vultur-gryphus), também chamados de águias altaneiras, têm um forte simbolismo para os povos locais, e são consideradas aves sagradas e símbolos nacionais da própria Argentina e de outros países sul-americanos, como Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. De acordo com a tradição inca, é considerada imortal. A representação desta ave ganha tantos outros significados, como de longevidade, saúde e poder, além de ser mensageira de bons e maus presságios e responsável pelo nascer do sol.

O que é incontestável, no entanto, é sua beleza e imponência. Quando estão com suas asas totalmente abertas é algo magnífico de observar. Não conseguia deixar de fixar meus olhos nos seus bailados no ar. Eram as primeiras horas da manhã e sentei em uma pedra do mirante natural e passei a contemplar. Não sei quanto tempo isso durou mas foi suficiente para fazer brotar lágrimas dos olhos. Pensei –  ‘Como é possível tanta perfeição e energia?’. Por mais um dia, fiz este mesmo percurso, e até hoje não me esqueço desses momentos.

Essa espécie é uma das que têm maior envergadura do mundo, chegando a 3,3 metros e a 110 centímetros de comprimento, e a pesar até 12 quilos. Destemidas, parece que não encontram limites, subindo a altitudes de até 5 mil metros. Segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), é classificada como ‘quase ameaçada de extinção’ e hoje já existem programas de conservação com reprodução em cativeiro. 

(crédito das fotos: Sucena Shkrada Resk, com exceção da reprodução da imagem de um exemplar do condor, via Wikimedia Commons)

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Uma relação humana mundial a ser repensada: número de refugiados aumenta, por Sucena Shkrada Resk

01/07/2014 07:43

Certas notícias têm uma profundidade incômoda, porque mexem com valores culturais, comportamentos diante do diferente, da relação de poder e exigem mudanças nos caminhos da humanidade, um século após o desencadear dos grandes marcos históricos de conflitos mundiais do século XX, como da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Nesta categoria, está o recente relatório Tendências Globais 2013  da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), que registra 51,2 milhões de refugiados no mundo até o final de 2013, total de 6 milhões de pessoas superior ao levantamento de 2012, sendo que a maior parte desse contingente é constituída por cidadãos afegãos, sírios e somalis. 

Nada tão drástico havia sido visto desde o genocídio em Ruanda, em 1994. Algumas centenas de milhares estão abrigadas em grandes campos de refugiados, em barracas, onde recebem o mínimo de assistência humanitária. Hoje os três maiores ficam localizados respectivamente em Dadaab, no Quênia, seguido por Dollo Ado, na Etiópia e em Kakuma, novamente no Quênia.

Os maiores deslocamentos atuais, no entanto, ocorrem da Síria, da República Centro-Africana, da República Democrática do Congo, do Sudão do Sul e de Mali. Na América do Sul, o destaque é a Colômbia e entre os principais países acolhedores estão EUA,  República Bolivariana da Venezuela e Equador.

Em todas as situações, o desencadeamento desses quadros é o reflexo da ausência de paz, de consolidações de governos democráticos e apresenta cisões históricas, que deixam sequelas por décadas, e de eventos extremos climáticos. E onde são acolhidas a maioria dessas pessoas? De forma geral, no Paquistão, Irã e no Líbano.

No contexto dos eventos climáticos, a seca da Somália extra os conflitos internos, por exemplo, levou 29.100 cidadãos daquele país a procurar refúgio exterior, principalmente na Etiópia (17.700) e no Iêmen (9700). É uma situação desoladora.

Em outro ângulo da configuração desse estado de violência, há os pedidos de asilos, que foram de 1,1 milhão de pessoas globalmente, segundo o Acnur. A maioria dos pedidos foi recebida pela Alemanha, o que configura um novo quadro geopolítico do século XXI. O número de crianças desacompanhadas ou separadas de seus responsáveis em busca de asilo também tem aumentado. Dados provisórios constantes no documento revelam que mais de 25.300 solicitações foram feitas no ano passado.

Difícil retorno para casa

O Relatório Tendências Globais 2013 informa que somente 414.600 refugiados conseguiram regressar de forma praticamente autônoma aos seus países de origem (principalmente República Árabe da Síria, República Democrática do Congo, Iraque e Afeganistão), durante 2013.

A agência da ONU apresentou 93.200 refugiados para reassentamento – em especial de Mianmar (23.500), do Iraque (13.200), da República Democrática do Congo (12.200), da Somália (9.000), e do Butão (7100) – , e onde presta assistência, houve a possibilidade de 1,4 milhão de pessoas retornarem para casa dos 11,7 milhões de assistidos. Esses dados são baseados em informações prestadas por governos, organizações não governamentais (ONGs) e pelo próprio Acnur. Milhares de pessoas ainda necessitam de ajuda, o que infere desde alimentação, roupas, medicamentos, habitação e empregabilidade, além do próprio resgate da auto-estima. Um retrato que demonstra os extremos da humanidade em conflito.

Veja também outros artigos que escrevi a respeito do tema refugiados no Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk:

09/03/2014 – Uma Ucrânia remexida em suas raízes

16/02/2014 – Os seres humanos que roubam sonhos

21/09/2012 – Refugiados: o quanto compreendemos dessa realidade?

07/08/12 – Políticas fragmentadas e mudanças climáticas intensificam crise na África

10/03/12 – Refugiados climáticos: do alerta ao fato

09/11/2011 – Refletindo sobre o Estado do Futuro

07/08/2011 – O que se fala sobre vulnerabilidade climática (parte 1)

31/07/2011 –  Um diálogo com a Ecosofia

22/07/2011 – Alerta sobre o flagelo africano

28/06/2010  – A relação das APPs e as enchentes nordestinas

01/02/2010 –  Esp.FSM 2010 – Qual é a nossa conjuntura ambiental?,

10/12/2009 – Especial COP15 – Lembrem bem deste nome – Tuvalu

06/12/2009  – Copenhague vira o centro do planeta

29/11/2009 – O caminho da economia verde

13/09/2009 – Qual ‘casa’ podemos construir para nós?

18/05/2009 – Especial II FCS – 3 – Um jornalismo mais comprometido

10/12/2008 – DHs: começam pelo princípio de dar dignidade à vida

01/04/2008 – Parte 1 – No caminho da Política Nacional de Mudanças Climáticas

05/09/2007 – As fronteiras das zonas de conflito

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Ilha Deserta: o conceito de deserto revisitado, por Sucena Shkrada Resk

29/06/2014 14:44

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Um, dois, três…lá se foram mais ou menos 20 quilômetros (ida e volta) de caminhada em um dia na Praia Deserta, em Superagui, no PR, no mês de maio. Momento de pura imersão e contato com a natureza e de revisitar o próprio conceito de deserto. Afinal, com tanta abundância de vida, da mais microscópica a outros elementos, como considerar que a figura humana pode determinar o sentido de uma palavra? Foi nesta direção que os pensamentos foram se alinhando e o meu olhar ganhou novas dimensões, dando espaço ao material e imaterial, tornando o passeio, na verdade, algo maior: um aprendizado de sensibilização para a conservação de um dos locais mais belos no Brasil, com extensão de 38 quilômetros em uma ilha que guarda mangues,  mata Atlântica, berçário de aves e uma vasta biodiversidade marinha.

Depois de andar no trecho de praia da comunidade da Ilha de Superagui, onde fica o Parque Nacional de mesmo nome, pequenas piscinas de água salgada começaram a aparecer, com peixes minúsculos, e eu estava prestes a chegar na “curva” que iria me direcionar a uma extensão de praia praticamente intocada, em que ao se avistar, num primeiro momento, me dava a dimensão de um horizonte e oceano sem fim. O que poderia ser uma paisagem monótona começou a ter proporções inusitadas.

Ora aparecia uma grande estrela marinha, ora centenas de conchas se transformavam em um mosaico na areia… Além das ondas, aparecia o traçado da Ilha do Mel ou uma embarcação de turismo ou de um pescador artesanal. Na parte interna da ilha, o que se escondia sob a paisagem era a riqueza dos manguezais.

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A revoada de aves marinhas me remetia a cenas lidas no romance de Fernão Capelo Gaivota. Aquela liberdade incontida e curiosidade de ver além. Em certo momento, essa interatividade chegava a transcender.

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Volta e meia, depois de longos minutos e até horas aparecia mais um ‘ser humano’, como eu, de carne e osso, caminhando ou andando de bicicleta. Quando decidi descansar, lá estava um tronco de árvore, onde sentei e observei que tudo aquilo tinha sintonia e vida e o nome deserto ganhou somente um sentido figurado. A cadeia ecossistêmica estabelecida e conservada se mostrava desnudada, como tinha de ser.

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Dei continuidade à caminhada, parecia que algo maior me levava para frente. Depois de cerca de dois quilômetros, algo me chamou a atenção. Estava chegando perto de uma grande quantidade de aves adultas e filhotes agrupados, perto de um curso d`água em direção ao mar. Com cuidado me aproximei para poder fazer o registro, que ilustrou a contemplação desse momento. Por mais uma vez, obtive a seguinte constatação: nós, seres  humanos, não somos o centro de tudo. E me dei por feliz e aí segui de volta à comunidade de Superagui, certa de que havia participado de uma aula prática de educação ambiental em um dos locais mais bem conservados deste bioma ameaçado.

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Crédito das fotos: Sucena Shkrada Resk

Veja também outros artigos que escrevi sobre esta viagem que fiz em maio deste ano:

19/06/2014 – Ararapira: um ex-vilarejo no Canal do Varadouro

25/05/2014 – Conhecendo a nossa ‘Barbados’

11/05/2014 – Uma tarde de prosa com ‘dona’ Narzira

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Ararapira: um ex-vilarejo no canal do Varadouro, por Sucena Shkrada Resk

19/06/2014 14:43

crédito das fotos: Sucena Shkrada Resk

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À primeira vista, aquelas dunas enormes, algumas ruínas aparentes e a ponta da torre da antiga igreja histórica de São José, construída no século XIX, me aguçaram a curiosidade. Eu estava prestes a conhecer o pequeno vilarejo de Ararapira, também chamado de comunidade fantasma, localizado na abrangência do Parque Nacional do Superagui, ao longo do Canal do Varadouro (criado artificialmente na década de 50), que liga Superagui, em Guaraqueçaba (PR) ao litoral paulista até Cananeia. Era um dia ensolarado e o céu de brigadeiro favoreceu a gravação dessa bonita imagem em minha mente, nas proximidades da Ilha do Cardoso. E pensei – ‘Afinal, qual era o segredo desse pequeno pedacinho do Brasil?’.

Para contar um pouco desta história, quem nos recepcionou foi o falante Josias, um nativo que resolveu permanecer por lá, depois que toda a comunidade, em sua maioria de famílias de pescadores, deixou suas casas para trás para viver em outros lugares com melhores condições, como na outra margem do braço do mar, em Ariri, do lado paulista.

“As pessoas foram saindo porque não chegava luz, infraestrutura mas eu quis ficar aqui, porque me sinto bem com essa natureza e meus pequenos animais. Quando dá saudades, visito meus parentes em Superagui”, disse ele. As restrições na área se devem ao fato de o vilarejo pertencer a uma área de conservação ambiental federal, que existe desde 1989. A comunidade, entretanto, historicamente surgiu bem antes, em meados do século XVIII,  e faz parte dos bastidores da história do Brasil. Essa situação de ‘abandono’ já gerou manifestações, como da Associação de São José de Ararapira, que defendeu sua revitalização.

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Ao caminhar pelo traçado do que restou do vilarejo, rodeado pela mata Atlântica, casas de alvenaria e algumas de madeira fechadas vão se sucedendo neste cenário ‘bucólico’, algumas, inclusive, com estruturas de energia solar. Um pequeno riacho de águas límpidas, com as rochas que se destacam ao fundo, dá um charme especial a esse lugar. Em uma área mais reservada, o antigo cemitério, guarda as histórias de vida de parte desta gente que um dia viveu por lá. Ah, e claro, a bela igrejinha, logo na entrada do vilarejo, funciona como uma bússola que sinaliza a vida cultural e tradições do povo de Ararapira, que de alguma forma ainda sobrevive.

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Saí de lá, de volta ao barco, com a sensação de déjà vu, e de que talvez seja necessário haver um aprofundamento de estudos nas áreas protegidas brasileiras, para que se concilie melhor a relação com as comunidades tradicionais.

*Crédito das fotos: Sucena Shkrada Resk

Veja também no Blog Cidadãos do Mundo:

25/05/2014 – Conhecendo nossa Barbados
11/05/2014 – Uma tarde de prosa com ‘dona’ Narzira

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Japão: o lixo não é um problema do outro, por Sucena Shkrada Resk

19/06/2014 10:48

Um simples gesto de torcedores japoneses nas arquibancadas do estádio ‘Arena Pernambuco’, no último sábado, influenciou positivamente  os diálogos nas redes sociais e os noticiários na mídia em geral. Apesar da derrota do time asiático para o da Costa de Marfim, durante essa primeira etapa da Copa do Mundo FIFA, esses turistas fizeram um gol de placa ao recolher os resíduos do que haviam consumido por lá. Longe de ser  um ato exótico como praticamente chegou a ser tratado, a iniciativa teve um efeito importante em nosso país, que ainda está longe de tratar adequadamente o ciclo dos resíduos sólidos e que se defronta com um grande dilema: reduzir a produção de ‘lixo’ e dar fim a mais de 2,9 mil lixões no país e substituí-los por aterros sanitários.

A atitude cidadã desses turistas incentivou boas pautas a respeito da cultura japonesa e reflexões sobre o andamento da implementação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos brasileiro. Foi levantado o perfil de um país que evolui aos poucos neste quesito e incentiva e também obriga, de certa forma, por meio de lei, que cada habitante seja responsável por seu resíduo e, acima de tudo, tenha consciência disso desde a infância. Não existe transferência de ‘problema’ com essa lógica de tratamento. Os itens eletrônicos têm um apelo maior em uma nação que tem de enfrentar os dois lados dos avanços tecnológicos.

Hoje, existe por lá um esforço para a destinação correta do ‘lixo doméstico’ e grande parte do que hipoteticamente seria descartado ou inutilizado, é reaproveitado ou reciclado. É um traço que merece ser enaltecido, porque faz parte do cotidiano deles, que há alguns anos, não era bem assim. São mudanças de políticas públicas e culturais cultivadas com seriedade.

Cada pessoa se responsabiliza pelo que utiliza e pode contar com a infraestrutura adequada dos governos municipais, com locais para a entrega desses itens.  A coleta seletiva é algo incorporado no dia a dia dos moradores. E a logística reversa faz parte deste ciclo, para que seja evitado o máximo possível, o desperdício. O que não é possível reutilizar ou reciclar acaba sendo incinerado e o governo japonês tem consciência da problemática da emissão de gases poluentes, e este é mais um motivo para estimular o empoderamento da sociedade na condução compartilhada da política da gestão dos resíduos. Um bom exemplo a nós, brasileiros.

Veja também no Blog Cidadãos do Mundo, outros artigos que escrevi sobre este tema:

09/01/2013 -#Reflexão: Ir além do morde e assopra nas políticas socioambientais
10/04/2012 – E a educomunicação ambiental nas políticas públicas brasileiras?
22/03/2012 – Resíduos sólidos: Projeto mapeia aterros sanitários necessários no país
25/11/11 – Reflexão: Audiência pública nacional sobre o Plano de Resíduos Sólidos
28/10/11 – Por dentro do saneamento básico
15/05/11 – Nós e a responsabilidade compartilhada s/o consumo e destinação do lixo eletrônico
26/04/11 – A “sociedade do lixo”: 60.868.080 toneladas só em 2010
08/01/11 – Personagens do Brasil: vozes da Várzea do Amazonas
02/09/10 – Adaptação tem de ultrapassar a retórica
15/07/10 – Reflexões sobre resíduos sólidos

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Conhecendo a nossa ‘Barbados’, por Sucena Shkrada Resk

25/05/2014 15:50

crédito das fotos: Sucena Shkrada Resk

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O nome Barbados remete em um primeiro momento ao país insular no Caribe, que com grande resiliência tenta se adaptar às mudanças climáticas. Mas a ‘Barbados’, que estou tratando aqui,  é também uma ilha, só que brasileira, onde uma comunidade tradicional caiçara, vive na área de abrangência do Parque Nacional de Superagui, na região da baías dos Pinheiros, em Guaraqueçaba, no Paraná, que pude conhecer no início de maio. De certa forma, também tem um traço de resiliência ao lutar para conservar sua existência e tradições sem conflitos com as legislações ambientais, tendo em vista que a unidade de conservação é de proteção integral.

Um dia esse pedaço de terra se chamou Sambaqui e é o lar de 25 famílias, a maioria de pescadores, em que uma personagem se destaca: é o senhor Antonio Lopes, 72 anos, um dos mais antigos moradores da vila. Ele é conhecido pela arte de cultivar ostras, há oito anos. O segredo, segundo ele, está no processo: “Primeiro, o cultivo é no mangue e quando a ostra está grande para engorda, é colocada na água salgada, com o apoio de uma tela, onde recebe sol”, diz.

O molusco fica carnudo e ganha um preparo especial no espaço comunitário rústico da família, que tem um conceito de turismo de base comunitária. Na área, sua mulher e filhos colocam a mão na massa. O ambiente é simples e aconchegante, onde nas paredes de madeira estão estampados cartazes com campanhas de defesa da biodiversidade local. O local é envolto por um rico pomar. Lá tem de tudo um pouco: abacateiro, banana, pé de laranja, de mexerica, de carambola e de pimenta…mais uma pequena horta de temperos dentro da floresta de mata Atlântica, que atrai aves de diferentes espécies.

Mas quando a gente pensa que  a história do senhor Lopes acaba por aí, atrás de uma pequena porta de madeira está uma das preciosidades de que ele não abre mão. É a antiga casa de farinha criada por seu bisavô. As peças estão praticamente intactas. “Quando temos a colheita de mandioca, volto a usar”, conta ele orgulhoso, mostrando cada detalhe.

E é nesse universo tradicional, que a tecnologia chega aos poucos, mas com alguns problemas, como ele cita. “O Governo do Estado (por meio da concessionária de energia) providenciou a instalação da placa solar, mas o equipamento não dá conta da demanda de energia para manter o refrigerador funcionando. Por causa disso continuamos a usar o gerador. Cai muito a energia. Fizemos um abaixo-assinado para os técnicos do governo fazerem a manutenção e verificarem o que está acontecendo”, conta. Ao mesmo tempo, há restrições a instalações devido à legislação ambiental.

Enquanto espera uma resolução, o cultivador de ostras vai tocando a sua vida, entre o mar e a floresta, longe do centro urbano, onde vai algumas vezes para visitar três dos seus cinco filhos. Essa comunidade isolada revela uma das características cativantes do Brasil tradicional e vive um dilema, que é descrito no trabalho de pós-graduação Argonautas do Superagui: identidade, território e conflito em um parque nacional brasileiro, de Letícia Ayumi Duarte, pela Universidade  do Estado de Santa Catarina (Udesc).

*Fotos: crédito: Sucena Shkrada Resk

Veja também no Blog Cidadãos do Mundo:
Uma tarde de prosa com ‘dona’ Narzira

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk

Uma tarde de prosa com ‘dona’ Narzira, de Superagui (PR), por Sucena Shkrada Resk

11/05/2014 16:12

Crédito da foto: Sucena Shkrada Resk

Um quadro se desenha com a narrativa que começa de forma tímida, numa tarde de sábado. Nas primeiras horas da manhã, em alguns dias da semana, ‘dona’ Narzira Ignácia das Neves Santos, 75 anos, conta que sai em seu pequeno barco a remo com sua colega e vai pescar o alimento de seu dia a dia, nas águas do mar paranaense. Em outros dias, segue para o mangue, e pega caranguejos, mariscos e ostras. Essa incansável senhora ainda encontra tempo para dedicar outra parte de seu tempo ao artesanato com conchas, escamas de peixe e a prática do tear. A palavra cansaço não faz parte do vocabulário dessa moradora da vila de pescadores artesanais da Ilha de Superagui (PR).

É na sua pequena lojinha, em uma casa modesta em frente à praia, presenteada por um de seus filhos, que revela seu talento manual, que aprendeu com seus pais. São chapéus, bolsas com fibras de bananeira, junco e cipó, além de enfeites com conchas que viram diferentes animais, personagens… Com seu jeito simples, ela narra um pouco de sua encantadora história de vida, que é uma marca dos povos tradicionais. E completa –  “Não posso ficar parada, senão fico doente”.

Nascida em Matosinhos (PR), a aposentada conta que vive há 36 anos, na Ilha, onde fica o Parque Nacional de Superagui. “Adoro pescar e saio mais ou menos às 7h e tem vez que só chego no final da tarde. Vou remando e a gente pesca badejo, garoupa e robalo. Teve uma vez que até consegui pescar uma pescada grande. ”, se orgulha. Para ajudar na renda, ela faz o artesanato, que aperfeiçou depois de participar de um curso há alguns anos no município de Guaragueçaba. “O que sei também já tive oportunidade de ensinar muita gente”, diz. Quando opera com desenvoltura o tear, aí revela duas décadas de experiência nesta tradição, que aos poucos vai se perdendo no Brasil.

Apesar das dificuldades, ‘dona Narzira’, se mostra uma pessoa resiliente. Por três anos, teve erisipela, que deixou suas marcas presentes em suas pernas. Mesmo assim, caminha pelas praias para catar conchinhas, sem reclamar, … “Gastei muito dinheiro, nessa época, e até hoje estou pagando empréstimos, mas estou feliz porque tenho saúde e posso trabalhar”, fala. A sua felicidade se completa ao ver duas de suas filhas que são professoras na própria comunidade, além dos outros filhos que se emanciparam. São conquistas, que deixam essa senhora paranaense, com sorriso largo estampado no rosto.

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Gabriel García Márquez: um contista inesquecível, por Sucena Shkrada Resk

27/04/2014 15:09

“Um homem só tem o direito de olhar outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se”. Quem um dia expressou este pensamento foi o inesquecível escritor, jornalista e ativista colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), que se exilou no México a partir de 1961 até sua morte, no último dia 17 de abril. O autor foi responsável por trazer à luz uma literatura latina cativante, desnudada e impregnada de raízes e do chamado realismo fantástico, que foi importante para atrair leitores de diferentes gerações. Ele sabia descrever ambientes, no contexto físico e da atmosfera, como ninguém. “Cem Anos de Solidão”, que escreveu em 1967, talvez seja uma das obras mais ricas de todos os tempos, com cerca de 50 milhões de exemplares vendidos. Ao se ler a  saga da família Buendía, na aldeia de Macondo, é difícil não trazê-la impregnada em nossas memórias.

Como não se sentir parte de um relato, como estes trechos do livro:

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo…”

“…José Arcadio Buendía, sem entender, estendeu a mão para o bloco, mas o gigante afastou-a. “Para pegar, mais cinco reais”, disse. José Arcadio Buendía pagou, e então pôs a mão sobre o gelo, e a manteve posta por vários minutos, enquanto o coração crescia de medo e de júbilo ao contato do mistério. Sem saber o que dizer, pagou outros dez reais para que os seus filhos vivessem a prodigiosa experiência. O pequeno José Arcadio negou-se a tocá-lo…”

Nos anos 40, Márquez deu início à sua carreira literária e jornalística. Ele se entregava à construção de personagens intensos, que de certa forma, segundo memorialistas, algo que estava interligado desde suas experiências de infância, quando viveu na casa de seus avós maternos, na Colômbia. Seu avô era o coronel Nicolás Ricardo Márquez Mejía, um veterano de guerras locais.

Ao mesmo tempo foi construindo nas décadas seguintes seu perfil político. Um apoiador de Fidel Castro e do regime cubano, essa foi uma de suas convicções políticas que manteve, além de se posicionar contra regimes ditatoriais, como do então ditador chileno Augusto Pinochet.

Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em  1982, pelo conjunto de sua obra. As obras literárias foram se sucedendo pelas décadas, como “O amor nos tempos do cólera” (1985), que é na verdade a história de amor entre seu pai Gabriel e Luiza, com os personagens fictícios Florentino e Firmina, “Crônica de uma morte anunciada” (1981) e Relato de um Náufrago, baseado na história real de um jovem que ficou por 10 dias à deriva no mar colombiano. A sua autobiografia escreveu em 2002 – “Viver para Contar”.

Márquez também pode ser considerado um homem do mundo, viajante, que esteve em diferentes continentes, como correspondente internacional. E uma de suas frases ecoa de forma especial a quem segue como eu, a carreira jornalística: “…É a prática que vai nos tornando melhores jornalistas. E a certeza de que somos apenas aprendizes, sempre e socraticamente.” Agora, esse homem simples e latino-americano tem suas cinzas num tempo-espaço sem limites e suas mensagens ecoam por meio de uma retrospectiva salutar de sua obra.



A curiosa Gansu: dos terremotos à energia renovável, por Sucena Shkrada Resk

13/04/2014 19:56

Gansu, na China, é um exemplo no planeta que pode ilustrar os extremos ambientais, em que há o contexto de perdas e ganhos diante ao natural e ao antrópico. Um dos locais com os mais devastadores terremotos também é hoje a região onde o país maior poluidor do mundo está aplicando seus principais esforços em energias renováveis.

Em 22 de julho do ano passado, esta província foi afetada por um terremoto de 6,6 graus Richter. O incidente resultou em 95 mortos, 1.001 feridos, 226.700 pessoas que tiveram que ser retiradas de lá e cerca de 76 mil casas destruídas e 67 mil danificadas. Ao todo 417 municípios foram afetados. Com histórico de outras ocorrências anteriores, essa região é uma das mais vulneráveis do mundo, o que se acentua com a presença de várias aldeias de difícil acesso. Intensas inundações em 2010 também causaram deslizamentos e resultaram na morte de aproximadamente 1,3 mil pessoas.

E é justamente neste pedaço instável do gigante asiático, com forte presença de ventos, que fica concentrada a maior parte de empresas de produção de energia eólica do país, em especial na cidade de Jiuquan. Esse grande parque tem capacidade instalada para suprir a demanda da população da Grã-Bretanha e trilha o caminho de ser o maior no planeta. A energia solar também é um recurso que está sendo explorado por lá em contraposição a décadas de extração de carvão e petróleo. Afinal é nesta porção chinesa, que também se concentra grande parte das jazidas de minérios chinesas. Gansun ainda ocupa o nono lugar no país em potencial hidrelétrico.

Mas a província é um local historicamente fadado a desastres naturais. Foram pelo menos, 25 terremotos de magnitude superior a 5,0, em um raio de 200 quilômetros do epicentro de Dingxi, conforme descrito pelo Centro de Supervisão de Terremotos da China (CSTC). Essas ocorrências têm sido aceleradas no país, nos últimos tempos, excedendo a média anual de 20 tremores.

A fatalidade e o efeito destrutivo material, apesar de terem diminuído substancialmente ao longo de décadas, ainda são significativos. Um questionamento básico a fazer é o porquê de tantas pessoas ainda morarem em uma região tão instável. São mais de 26 milhões de chineses, tendo em vista o contexto da maior população mundial.

Nesta região no noroeste chinês, as piores ocorrências de terremotos registradas desde o século XX, aconteceram em 16 de dezembro de 1920, quando 230 mil pessoas morreram, após um terremoto de 8,5 de magnitude na província. Sete anos depois, mais 41 mil vidas foram perdidas, e no ano de 1932, foram cerca de 70 mil vítimas. O país asiático fica no chamado Círculo de Fogo do Pacífico, onde há maior parte dos terremotos e erupções vulcânicas no planeta.  É uma porção da Terra com constantes movimentações de placas tectônicas.

Esse conjunto de informações leva à curiosidade de se conhecer um local tão singular ambientalmente falando no planeta, onde já foi gerada tanta poluição com exploração desmedida de combustíveis fósseis e que também apresenta cerca de 60 reservas naturais. E é justamente nesta região, que está concentrada grande parte das espécies da fauna chinesa, desde pandas gigantes ao leopardo da neve e mais de 400 espécies de aves. A riqueza da vegetação também chama atenção. São quatro mil de plantas selvagens, sendo cerca de um mil, com valor medicinal, segundo o governo chinês. Entre elas, ruibarbo e fungos de larvas chinesas…

Gansu é essa caixa de surpresas, que para nós ocidentais, revela o quanto ainda há de se aprender entre os limites impostos pela linha tênue entre o que pode ser chamado de ‘natural’ e ao que cabe ao ser humano.

Veja também:

23/02/2014 – Poluição no gigante asiático prejudica população local e extrapola fronteiras

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk


A escravidão e a injustiça socioambiental sob várias roupagens, por Sucena Shkrada Resk

23/03/2014 16:48

Um silêncio misturado à emoção e a certo amargo na boca. Sensações diversas após assistir o filme “12 Anos de Escravidão – Solomon Northup”, dirigido por Steve McQueen, baseado na história real deste escravo liberto no século XXI, que foi sequestrado em 1841, no Estado da Lousiana, nos Estados Unidos, onde por 12 anos passou pelas mais difíceis experiências com outros homens e mulheres negros até reconquistar sua liberdade. Mas será que essa realidade está tão distante da contemporaneidade, quando ampliamos a nossa visão sobre o estado do mundo?

Ao se discutir este tema, também está sendo tratada a questão da justiça socioambiental. Este é um conceito que surgiu a partir da década de 60, nos EUA, pela luta da população negra pelos direitos civis. À época, esses cidadãos começaram a observar que os resíduos tóxicos provenientes principalmente da indústria química eram depositados onde viviam. No trabalho escravo ou análogo, as vítimas também são expostas a condições de insalubridade, o que faz com que essas expressões se fundam.

Apesar de formalmente o trabalho escravo ter sido abolido e criminalizado nas legislações dos países, o mesmo ocorre de forma ilegal, sob as mais diferentes roupagens, que afetam pessoas de ambos os sexos, de diferentes cores e raças ou religiões, nos mais diversos pontos do planeta. Estima-se que por volta de 27 milhões de pessoas estejam em situação análoga à escravidão, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A maior parte estaria no setor da pecuária e nos centros urbanos, na área de confecção.

Nos EUA, palco do filme, hoje o trabalho escravo se apresenta mais na forma de escravidão sexual, como destaca a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e as penas variam de cinco anos à perpétua e alguns Estados mantêm benefícios públicos às vítimas.

No Brasil, segundo a Comissão Pastoral da Terra, em 2013 foram identificados 197 casos,  sendo 128 em atividades da agropecuária e 69 em atividades não agrícolas. O Ministério do Trabalho divulga uma lista do “trabalho sujo”, com o apoio da organização não governamental (ONG) Repórter Brasil.

A América Latina de acordo com pesquisadores do tema, é uma das principais regiões de desrespeito à dignidade humana. Benjamin Skinner, jornalista e autor do livro Um crime monstruoso: face a face com a moderna escravidão relata que só no Haiti, são mais de 300 mil crianças nesta situação. Após o terremoto de 2010, essa situação discriminatória se ampliou.

Mesmo em nações que figuram no quadro de primeiro mundo, como a Suécia, não escapam desse problema, segundo a OIT. As formas de trabalho escravo encontradas, vão de trabalhos domésticos forçados a prostituição de crianças, apesar de haver uma Lei que penaliza o crime em até 10 anos de prisão, desde 2002. E no país mais populoso do mundo, a China, o trabalho forçado é mais recorrente nos setores da construção civil, da indústria de tijolos e das minas de carvão.

De uma maneira geral, a escravidão moderna é caracterizada sob a forma de servidão por dívida, de prostituição e por trabalhos forçados. Essa é uma marca da contemporaneidade que revela os gargalos do desenvolvimento e da implementação dos pilares da sustentabilidade. Um dado provocador que torna essa constatação mais óbvia é saber que uma em cada sete pessoas no mundo “sobrevive” com menos de US$ 1 por dia. Aí está outro ângulo, para discutir o conceito de trabalho escravo e a sujeição à humilhação, carência e preconceito que se associam às más condições socioambientais.

Veja também outros artigos que escrevi a respeito deste tema, no Blog Cidadãos do Mundo:

03/11/2013 – Eduardo Viola: A inércia e o conservadorismo da sociedade
28/10/2011 – Reflexões sobre segurança alimentar & meio ambiente
09/11/2011 – Refletindo sobre o Estado do Futuro/Projeto Millennium
02/02/2010 – Especial FSM 2010 – Muitos mundos possíveis
23/08/2009 – Esp-VI Fórum EA-Colocar em prática a justiça ambiental requer mais do que intenções
04/05/2008 – O glossário do trabalho

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk



Mujica: um presidente que não se enquadra em estereótipos, por Sucena Shkrada Resk

16/03/2014 18:28

https://cidadaosdomundo.webnode.com/_files/200000392-8c9318e875/Pepemujica2.jpgDe tempos em tempos, surgem no mundo algumas lideranças que fogem de qualquer tipo de estereótipo. Esse é o caso do presidente uruguaio, José Alberto Mujica Cordano, mais conhecido por Pepe Mujica, que governa o país, desde 2010. Uma nação com 3,4 milhões de habitantes, distribuídos em quase 180 mil km2. Aos 78 anos (completa 79 em maio), suas atitudes chamam a atenção não só no Cone Sul, mas no mundo. Ele é um estadista que não tem um comportamento protocolar e a sua simplicidade dentro e fora do gabinete o torna uma personagem marcante no século XXI. “…As repúblicas não vieram ao mundo para estabelecer novas cortes, mas nasceram para dizer que todos somos iguais. E entre os iguais estão os governantes…”, afirma.

Com seu jeito despachado, que foge do ‘modelo engravatado’, Mujica vive com sua esposa Lucía Topolansky em sua propriedade rural, onde fica sua casa de 45 metros quadrados, com 10% do seu salário como estadista. O restante doa a organizações não-governamentais. Em vez de utilizar veículos sofisticados, é visto circulando com seu antigo fusca e mantém o perfil de agricultor familiar. Esse comportamento o difere da maioria de seus colegas nas Américas e causa admiração.

O presidente uruguaio tem uma visão muito taxativa quanto aos gargalos do chamado desenvolvimento sustentável. Em seu discurso, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), em 2012,  falou sobre questões básicas como o consumo exacerbado versus a qualidade de vida no planeta e a falha política de o mundo ser governado pelo mercado (https://youtu.be/SAZ1caLcT1Q). “Quando lutamos pelo meio ambiente, devemos lembrar que o primeiro elemento do meio ambiente se chama felicidade humana”, disse no encerramento de sua fala.

Esse estadista e cidadão que expõe posições convictas sobre a desigualdade, registra em seu histórico , um passado como militante de ‘esquerda’ e de ex-guerrilheiro tupamaro. Nos anos 70 e 80 combateu a Ditadura Militar em seu país e chegou a atos extremos, como assaltar bancos e participar de sequestros. Ficou preso por 14 anos, sendo 10 em uma cela solitária, até ser libertado em 1985. Mas com certeza, a sua personalidade diferenciada é responsável por suas atitudes, tendo em vista, que tantos outros militantes também de esquerda que estão no poder, não agem como ele, no tocante à sua leitura de mundo e de liderança.

Sua postura com relação aos povos originários é vibrante, e sensibiliza aos seus simpatizantes, ao se nutrir de ações que toma como presidente e cidadão diariamente. Em setembro do ano passado, o seu discurso na ONU (https://youtu.be/Sm181tTR2OM), mais uma vez ganhou repercussão, por não ter meios termos e ser transparente sobre os antagonismos geopolíticos no mundo, que impõem tratamentos desiguais entre as nações.

As suas decisões como estadista também estão longe de serem consensuais e, de certa forma, são arrojadas. Legalizou o aborto no Uruguai, visando que as mulheres antes de tomar a decisão, possam ter o amparo psicológico para fazer a escolha, além do casamento gay. A sua mais recente tomada de decisão foi quanto à legalização do plantio e venda da maconha no Uruguai (sob regulação do Estado), que já enfrenta a rejeição por parte da oposição e causa dúvidas, quanto ao combate ao narcotráfico, e reações, inclusive, na Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo a Convenção Única sobre Entorpecentes, que vigora desde 1961, a utilização da cannabis é liberada apenas para fins medicinais e científicos. Mujica argumenta que sua atitude visa justamente apoiar o combate ao narcotráfico, tirando o motivo econômico dos cartéis.

No MERCOSUL, é interessante observar que tipos de transformações ele pode suscitar nas relações políticas, econômicas e sociais no grupo. Já está tramitando seu projeto presidencial no parlamento uruguaio, desde o final de janeiro, que concede residência permanente uruguaia  a todos os cidadãos dos países do bloco, tendo como única exigência: a confirmação da nacionalidade procedente. A medida é mais ampla, porque beneficia cônjuges, concubinos, pais, irmãos e netos de uruguaios, que moram hoje em outros locais do mundo.

Ao mesmo tempo, Mujica, em seus discursos, combate o consumismo e a obsolescência programada, e reconhece as falhas da globalização, sendo um defensor de uma visão política na região, mais latino-americana. Agora, é esperar para ver como isso se traduzirá na prática, tendo em vista, que o presidente uruguaio critica as falhas institucionais que inviabilizam, em muitos temas, a constituição de um bloco. O país também enfrenta seus dilemas quanto ao seu papel na sociedade de consumo, ao ser um grande exportador, desde a área de agricultura e pecuária a produtos industrializados do petróleo; e tendo até dados de 2012, segundo o governo, 12,4% de sua população na linha da pobreza.

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk 



Uma Ucrânia remexida em suas raízes, por Sucena Shkrada Resk

09/03/2014 20:08

No campo, tudo se planta: beterraba, cevada, milho, semente de girassol e trigo, desde épocas remotas. A lavoura, as mãos calejadas, o suor do rosto se misturam a séculos por meio desta população na Europa Oriental, predominantemente camponesa. A Ucrânia , um país distribuído em 603.700 km 2, dividido hoje em 24 províncias e uma república autônoma (Crimeia), tem 32 mil ha de solo arável, o que corresponde a mais da metade do país, com terras negras, ricas em húmus, além da abundância de petróleo e gás natural, e de minérios, como ferro, carvão e manganês. A sua ligação com a terra é ancestral. Essas características fazem do país, um grande exportador, um objeto de desejo de poder no mundo no processo histórico milenar. Mais um ponto que não pode ser desprezado é sua posição geográfica. Faz fronteira com alguns países, entre eles, a Rússia e a Polônia.

A alternância de poder, durante os séculos marcou de forma definitiva sua população. O jogo geopolítico do poder ditou novas regras cada vez mais implacáveis. Aquela terra de abundância em recursos naturais interessou muito ao regime bolchevique posteriormente ao bloco Ocidental. Nesta zona de instabilidade, durante muitas décadas, centenas de milhares de pessoas perderam suas vidas, muitas por passarem fome, devido a uma visão distorcida que apregoava o atendimento à coletividade a qualquer custo, incluindo a privação à alimentação àqueles que eram contra o regime. A Alemanha nazista incrementou esse estado de calamidade em décadas passadas e a Guerra Fria instaurou mais um momento difícil para os ucranianos. A luta da população ucraniana para preservar sua cultura, seu idioma e sua independência foi uma constante.

Nesse traçado histórico, a Segunda Guerra Mundial instalou mais um momento de dor e demonstrou a resiliência desse povo. O que restava fazer? Fugir para garantir a vida. Horas, dias e meses. Quilômetros por terra, por países e por mar. O Brasil, na América do Sul, foi um dos destinos de milhares de refugiados, pois estava bem longe deste conflito. Mas os primeiros imigrantes vieram para cá já em 1891. Mas como não ter sequelas, depois de tanto esforço e privações?

A violência por meio de bombas e privação à alimentação já havia dizimado muitas famílias ucranianas. Além disso, muitos haviam perdido a sanidade e ficado com um vazio nunca mais preenchido. Fome, morte, medo e uma luta tão desigual,  em que, por muitas vezes,  só um lado tinha todas as armas. Longe de ser um conto ficcional, isso existiu e mexeu com a vida de muitos habitantes do país, incluindo meus ancestrais.

A história ucraniana é marcada por vários momentos de opressão, durante os séculos. O país sofreu a invasão dos mongóis, dos lituanos, dos rutênios, dos poloneses, dos tártaros russos, do regime comunista e dos nazistas, … Já em 1922 foi invadida pela Rússia e anexada à ex – URSS. Segundo historiadores, nos anos 30, mais de sete milhões de pessoas morreram de fome, durante o período stalinista. É uma perda, do ponto de vista dos direitos humanos, incalculável. Havia bloqueio de suprimentos à população, que padeceu no isolamento.

Já nos anos 40, sofreu mais um grande golpe. O nazismo traz mais um cenário catastrófico àquele país. Após o ano de 1946, se sucedeu outro longo período de fome. É difícil imaginar o que todas essas pessoas passaram, mas dá para compreender o momento de revolta que marca até hoje as novas gerações, sendo que grande parte quer a abertura de mercado com o Ocidente, principalmente na capital Kiev e ao oeste do país. Os confrontos já resultaram em mais de 700 feridos e cerca de 100 mortos. Na Crimeia (com população predominantemente russa) há uma mobilização para a separação da Ucrânia.

O que se observa é que dentro da própria Ucrânia, se instalou a polaridade do jogo geopolítico internacional. Durante o período da Guerra Fria, entre URSS e EUA (1945-1991), foram instalados pela URSS mais gulags siberianos (campos de concentração comunistas), onde se estima que cerca de 20%  das vítimas eram ucranianas. Esses locais começaram a ser criados em 1917 para abrigar os considerados “inimigos” do Estado e os considerados criminosos. Mais um golpe sobre parte da população ucraniana e para boa parte do mundo ocorreu em 1986, com o desastre nuclear de Chernobyl.  Este documentário da Discovery Channel conta esse triste episódio que marca até hoje o planeta: https://www.youtube.com/watch?v=Ly7XEhH6rsA.

O Século XXI chega e a roda da história parece insistir em retomar esse capítulo cruel, de tempos em tempos, em diferentes proporções. Novamente parte desse povo sofre a pressão da roupagem opressora que veio com a Guerra Fria, entre a extinta URSS e os EUA. Ou melhor, vem de muito mais longe. A Rússia quer retomar seu poder. Não é mais Stálin ou Lênin. Nos últimos quinze anos, Vladimir Putin combate a hegemonia da Europa Ocidental e dos EUA. A Crimeia é um elo que não pode perder, onde tem o alicerce da colonização russa e onde o presidente russo decidiu instalar suas tropas, causando um mal-estar diplomático. Mas para ele, isso não é suficiente. Toda a Ucrânia  é necessária nesse jogo de liderança. O binômio petróleo e agricultura volta à tona. Por sua vez, o Ocidente também não quer permitir que as conquistas e a hegemonia sejam abaladas e a zona de instabilidade e os ranços se reacendem.

Mais de 45 milhões de pessoas vivem hoje na Ucrânia (sendo cerca de 75% ucraniana e 22% russa) e os protestos acirrados, desde o mês de fevereiro deste ano, desenham um momento crítico naquele país, cujo parlamento destituiu o presidente Victor Yanukovich e que tem como líder interino, Oleksander Turchynov.

Desde 1991, quando foi eleito o primeiro presidente da Ucrânia, essa linha tênue entre o Ocidente e Oriente divide o país. Em dezembro de 2004, o povo foi às ruas na Revolução Laranja, contra a eleição fraudada de Yanukovich (pró-Rússia), que viria a assumir o poder na eleição de 2010.

Hoje a Ucrânia tem três partidos de oposição: o Movimento Udar, o Fatherland e o Oleh Tyahnybo. A ex-premiê, Yulia Tymoshenko, que está presa, foi libertada e se soma a esse novo quadro político.

O país mantém atualmente relações econômicas com mais de 100 países e também é reconhecida por outra peculiaridade; por sua indústria de foguetes lançadores espaciais, de aviões de carga, como também dos ramos da metalmecânica e alimentício.

O que a história demonstra é que há um “fantasma” da luta pelo poder hegemônico que ronda o país e que os governantes da Rússia, dos EUA, as organizações nacionais e internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) precisam recobrar a memória do que os erros históricos em nome da coletividade, durante séculos, já ocasionaram para que os mesmos não se repitam. Uma nova eleição à vista na Ucrânia é um ponto de interrogação na contemporaneidade e o que se discute é que o processo seja legitimado pela vontade da população e que não seja abalada a soberania do país e consequentemente se promova uma crise internacional mundial.

Blog Cidadãos do Mundo – Jornalista Sucena Shkrada Resk



Poluição no gigante asiático prejudica população local e extrapola fronteiras, por Sucena Shkrada Resk

23/02/2014 14:04

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Poluição industrial na região de Pequim – Crédito da foto: Wikimedia Commons

Os moradores e trabalhadores da capital e regiões próximas da China, o maior país em desenvolvimento no planeta, estão praticamente sitiados pelos altos níveis de poluição. Além de terem de andar com máscaras, principalmente idosos e crianças são orientados pelas autoridades para que não saiam de casa. A visão chega a ser ‘dantesca’: pessoas circulando pelas ruas sob nevoeiros intensos com seus rostos praticamente tampados tentando se proteger de um inimigo ‘etéreo’ e mortal. Ao mesmo tempo, estudo coordenado pelo professor Jintai Lin, da Universidade de Pequim, publicado pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences (https://www.pnas.org/content/early/2014/01/16/1312860111), aponta que essa poluição já atravessa o Pacífico e chega a contribuir com um aumento de até 24% dos níveis de sulfato na poluição na costa oeste norte-americana.

Enquanto esse quadro se alastra, a capital do gigante asiático, Pequim, nestes últimos dias, está sob o estado de alerta laranja (um abaixo do pior, vermelho), tendo em vista que os níveis de partículas tóxicas finas em suspensão do tipo PM 2,5 (material particulado medido em microgramas por metro cúbico) chegaram a 671 em algumas áreas da cidade em um dia, sendo que a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), é de no máximo, 25. No ano passado, já ocorreram registros na casa dos 900 microgramas por metro cúbico diário.

A combinação dessas substâncias tem efeitos graves à saúde, facilitando o avanço de doenças cardiovasculares e pulmonares, por se tratar principalmente de sulfatos, nitratos, amônia, cloreto de sódio, carbono e pó mineral, que quando inalados podem alcançar as regiões periféricas dos bronquíolos, alterando as trocas gasosas pulmonares.

As neblinas tóxicas chamadas de smogs se alastram e o cenário se agrava dia a dia. Com esse alerta, ficam restritas ações como soltar fogos de artifícios e fazer demolições. Sistemas de rodízios de veículos também foram acionados. Em Pequim, foi determinado que 75 fábricas reduzissem sua produção e 36 as suspendessem, enquanto for mantida esta situação extrema. Desde o ano passado, registros mais intensos da poluição vêm sido noticiados, como na primeira quinzena de dezembro, quando a cidade de Xangai teve de suspender as aulas em escolas locais.

O ex- ministro da Saúde chinês, Chen Zu, chegou a afirmar à revista Lancet, que cerca de 500 mil pessoas morrem anualmente no país, de forma prematura, devido à poluição. As partículas finas que se propagam com a poeira, penetram nos pulmões causando danos ao organismo. De acordo com a OMS, a mortalidade em cidades com altos níveis de poluição excede em até 20 % os registros em cidades que optam por fontes mais limpas.

Todas essas notícias divulgadas pelos próprios canais de comunicação do país e por agências de notícia internacionais revelam um quadro cada vez mais drástico sob o efeito acumulativo de décadas de uso excessivo de carvão (combustível fóssil) como fonte de energia em um crescimento desordenado. No país, aproximadamente 80% da energia elétrica provém dessa fonte. Simultaneamente uma frota veicular superior a 240 milhões de veículos exerce pressão nesse efeito acumulativo poluidor.

A meta chinesa é de reduzir em até 25% as emissões de poluentes até 2017 e hoje também é o maior investidor mundial em energia limpa (energia solar, biomassa e eólica). Mas na prática é difícil estabelecer se conseguirá atingir esse percentual diante das mudanças necessárias  condizentes à sua dimensão continental e ao consumo da maior população no mundo. Enquanto isso, a expectativa de vida dos cidadãos vai diminuindo. Um levantamento realizado por organização norte-americana apontou que no norte do país asiático chegou a 5,5 anos comprometidos.

O Governo chinês chegou a estabelecer a concessão de premiação a Pequim e a outras províncias que conseguirem diminuir seus níveis de poluição. O Ministério do Meio Ambiente chinês iniciou nesta semana inspeções em indústrias para verificar se estão respeitando a legislação.

Veja também no Blog Cidadãos do Mundo, outros artigos que escrevi sobre este tema:

01/05/2013 – Qualidade do ar: será que ainda há tempo?
16/01/2013 – Foto-legenda: Pulmão verde urbano
24/10/2012 – Frota veicular deve aumentar, mas e a nossa qualidade de vida
27/08/2012 – No contexto das nove fronteiras
07/06/2012 – Rumo à Rio+20: o valor oculto da água
11/03/2012 – Parte 1- Paulo Nogueira-Neto:história que se funde com o ambientalismo brasileiro
09/11/2011 – Refletindo sobre o Estado do Futuro/Projeto Millennium
27/09/2011 – Quem quer fazer parte da estatística fatal provocada pela poluição?
22/06/2011 – A lei de ação e reação à atividade antrópica
11/06/2011 – Reflexões: o que pensar depois do C-40
22/05/2011 -TEDx Mata Atlântica (parte 4): editora relata a importância do jornalismo local
15/04/2011 – Poluição – Por outro lado, são mais de 7 milhões de chances para tudo mudar
30/01/2010 – Esp.FSM 2010 – Como a população se integra à política pública
04/10/2009 – Poluição: a importância da pesquisa
16/08/2009 – Saúde Ambiental: A poluição que nos consome
18/03/2009 – Ilhas urbanas

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk


Os seres humanos que roubam sonhos, por Sucena Shkrada Resk

16/02/2014 18:43

O filme “A Menina que Roubava Livros”, dirigido por Brian Percival, baseado na obra de Markus Zusak, é um exercício de leitura de mundo sob a pressão das adversidades. Ilustra a tentativa de se reescrever histórias de vida. O pano de fundo com as guerras internas e externas, como a Segunda Guerra Mundial,  ganham um toque de sublimação na interpretação da personagem Liesel Merninger pela atriz canadense Sophie Nélisse e de todo elenco. O enredo leva a uma reflexão ainda maior: a dos seres humanos que “roubam sonhos”, que permeiam a história do mundo e individual de muita gente através dos séculos. Em especial, na contemporaneidade, com a situação de violência que atinge o mais novo país do globo:  Sudão do Sul.

Em 2011, Sudão do Sul conseguiu a independência política, se constituindo como uma nação, localizada em 650 mil km2, no continente africano e com população estimada de 8,2 milhões de pessoas àquela época, mas ao mesmo tempo está destruindo a independência de seu povo, ao ter sido estabelecido o conflito armado, acirrado no final do ano passado. Dá sequência a uma das mais longas guerras civis, no então, Sudão, que prevaleceu entre 1983 e 2005, ano em que foi firmado um acordo de paz. Durante todos esses anos, o saldo negativo deste conflito foi de cerca de 1,5 milhão de mortos.

Por que optar por tantas mortes que abreviam a existência de centenas de cidadãos sob a mira de um fogo cruzado, pela fome ou pela situação de refugiados? Questões fundamentalistas fazem parte deste processo, de acordo com relatos históricos. Nesta nova fase, no âmago, está a distorção de valores promovida pela desconstrução política protagonizada por facções: uma representada pelo atual Governo, fortalecida pelas Forças Armadas, que segue o presidente, Salva Kiir, e outra, pelos rebeldes, liderada por Riek Mashar. Inocentes se veem sem saída neste conflito e aproximadamente 10 mil pessoas já  perderam suas vidas.

Pelo menos 3,7 milhões de pessoas estão passando por estado emergencial de insegurança alimentar, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e outras 7 milhões sob risco iminente. A maior parte da população é formada pelo grupo étnico dinka, além de outros povos, como os anuake, os azane, os Bari e os shilluk. Religiosamente predomina o cristianismo, seguido de matrizes africanas e de religião muçulmana.
 

Foto: ONU

https://cidadaosdomundo.webnode.com/_files/200000389-d8c4adab82/sud%C3%A3odosul_siteONU.png

Os agricultores, que formam a maior parte da população, estão perdendo suas colheitas, ao ficar sitiados. Nessa situação de instabilidade, estima-se que cerca de 870 mil pessoas fogem dessa violência armada. Com isso, foi iniciada uma campanha para arrecadar US$ 77 milhões por causa da crise alimentar instalada, que está na iminência de afetar também a produção agrícola de 2015. Até suprimentos de ajuda humanitária foram roubados, no mês passado, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).

Os paradoxos fazem parte também da infraestrutura desta nação. Rica em petróleo, pivô de muitos conflitos, Sudão do Sul é um dos países mais pobres do planeta, com altos índices de mortalidade materna e de analfabetismo entre a  população feminina. Ao mesmo tempo, rico em outros recursos naturais. É cortado por um braço do rio Nilo (Nilo Branco) e em parte de seu território, mantém florestas “pluviais” e pradarias, savanas, áreas pantanosas, além de uma fauna diversificada, composta por leões a rinocerontes. O país também abriga parques nacionais, como  o de Bandiglio e de Boma, além de reservas naturais.

É neste país com tantos potenciais, que apesar de ter sido retomado o diálogo entre as partes do conflito, desde a segunda quinzena de janeiro, que há uma situação grave de desrespeito aos direitos humanos. Nesse fogo cruzado, há denúncias do uso de bombas de fragmentação, que se tornam uma armadilha, que pode ocasionar acidentes graves por muito tempo. A infraestrutura em seu território está bem comprometida, segundo analistas internacionais, o que poderá levar um bom tempo para ser recuperada. As negociações têm como intermediários, grupo formado por representantes da União Africana, da União Europeia e das Nações Unidas. O desfecho ainda é algo imprevisível, devido ao porte dos comprometimentos já presentes.

Então, falar de “seres humanos que roubam sonhos” se torna mais claro diante desse contexto que atinge o 54º país africano. Quantas crianças, mulheres e homens gostariam de “roubar livros”, não é, e reescrever suas histórias por lá?

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk

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